Lembrando Antonioni
O filme é um clássico do mestre Antonioni. Revê-lo é sempre um prazer. Trabalha duplamente a imagem: cinema e fotografia. Uma homenageia a outra. Ambas, irmãs quase siamesas, nutrem-se das imagens. O cinema não tem compromisso com o real. A fotografia tem. Mas será? É, exatamente, o que Antonioni coloca em dúvida no filme.
Onde termina a realidade e começa a fantasia? A objetividade, a verdade, a realidade podem ser apreendidas em toda a sua essência? São questões para serem ponderadas, medidas, questionadas. Antonioni conduz tudo isso sem esquematismo, tomando por base e inspiração um belo conto de Julio Cortázar. Lançado em 1966, o filme capta a efervescência dos loucos anos 60.
A estética é jovem. Pulsante. Aborda o mundo das modelos. Mas vai muito além das aparências. Da beleza das beldades que desfilam nas passarelas, que são fotografadas em estúdio. A verdade está nas ruas. O cineasta mostra o protagonista, o fotógrafo da moda Thomas (David Hemmings), com um olhar apurado.
Fugindo das situações banais dos estúdios, ele capta um beijo num parque em Londres. Daí o subtítulo do filme: Depois Daquele Beijo. O roteiro explora com muita perícia o que se esconde por trás da imagem desse beijo. Ao revelar (e ampliar) o negativo diversas situações surpreendentes começam a fazer sentido. Como não sou desmancha prazer, não dá para contar o final.
Ao rever o filme que tinha visto na década de 90, tive a ideia de fazer um poema para homenageá-lo. Esbocei um texto inicial (abaixo). Mas, como sempre, não me dou por satisfeito. Cortei, acrescentei, remendei. O resultado vou apresentar na sequência. Novamente, digo: pode (e deve) sofrer mudanças.
Enquadro
quadro a quadro
a luz, a cor,
sombra e movimento.
Objeto em zoom
Objetiva em ação
Aciono o obturador:
paisagem capturada.
A imagem derramada
no papel fotográfico
apreende o instante
do olhar flamejante.
O poema, modificado, ficou da seguinte forma:
Objetiva na mão
Enquadro
(quadro a quadro)
luz e cor
sombra e movimento.
Objeto em zoom
Olho e lente são um
Obturador em ação
Eternidade capturada.
No laboratório
a imagem derramada
no papel
apreende
na fração do segundo
o real
e a imaginação
contidos
e refletidos
no olhar
delirante
flamejante.
(Francisco Barros)