sexta-feira, 6 de maio de 2011
Viagem ao Reino da Memória
O que é a memória? Para que existe? Por que lembramos? Por que esquecemos? São muitas, é certo, as perguntas que envolvem este tema. O escritor Paul Auster, no livro “O Inventor da Solidão”, oferece uma resposta. Ele define a memória como “o espaço em que uma coisa acontece pela segunda vez”.
Encontrei uma conceituação, no mínimo, curiosa, no Mini Dicionário Sacconi: “Faculdade de conservar e experimentar de novo estados de consciência passados”. E fico a perguntar: Será que a invenção da escrita foi a maneira engenhosa que nós, humanos, encontramos para eternizar “estados de consciência passados”?
Para o escritor argentino Jorge Luís Borges, citado pelo italiano Domenico Di Masi, todos os romances e poemas escritos ao longo dos tempos repetiram, em versões infinitas, tão somente quatros histórias: a de uma cidade sitiada, a de uma viagem, a de uma busca, a do sacritfício de um deus.
No monumental “Em Busca do Tempo Perdido”, o escritor Marcel Proust faz uma fantástica escavação da memória. Recompõe fatos , revive sensações e sentimentos. Proust é um escafandrista. Mergulha em águas abissais para recolher a essência do tempo. Por fim, descobre que o que se perdeu pode ser reconquistado pela memória.
Umberto Eco no romance “A Misteriosa Chama da Rainha Leona” faz uma ambiciosa incursão ao passado. O protagonista Yambo perde parte da memória –afetiva e biográfica. Para recuperá-la, lança-se na leitura febril de jornais, revistas, gibis e livros que marcaram a sua infância e juventude. Eco/Yambo nos conduz, pelo fio da lembrança, a um vasto painel dos anos 30 e 40 do século passado. Farejando o passado, o autor edifica o seu “palácio da memória”, percorrendo labirintos insondáveis.
Palavra e memória (somadas a muita imaginação) são habilmente manipuladas nas aventuras narradas por Xerazade em “As Mil e Uma Noites”. Ela se utiliza desses recursos para seduzir o rei Xeriar. Este, traído por sua mulher, decide matar diariamente cada nova esposa, após uma noite de prazer. Para interromper este círculo de terror, Xerazade casa-se com o rei. Depois da sessão de amor, desfia histórias encadeadas. “Isto não é nada, comparado ao que contarei amanhã à noite”, diz ela. Por fim, Xerazade é poupada.
Voltando a Paul Auster. Na sua obra citada (O Inventor da Solidão), o autor faz uma imersão pelos labirintos da memória para meditar sobre a morte do pai. A reflexão que empreende busca o significado para a existência. É quando ele confronta a “Solidão” com a “Memória”, numa jornada poética que rompe a fronteira entre ficção e realidade. Encerra o livro com um alerta: “Foi. Nunca mais será. Lembre-se”.
Não seria demais supor que somos prisioneiros do tempo e da memória. Mais que isso: prisioneiros do passado; de memórias passadas. Estamos conectados aos nossos antepassados, que nos legaram a sua cultura, saberes e conhecimentos. Assim sendo, a escrita é o veículo que melhor traduz essa perenização.
“Penetra surdamente no reino das palavras” – convida o poeta Carlos Drummond de Andrade, acrescentando:”Lá estão os poemas que esperam ser escritos”. Parafraseando o imortal mineiro, poderíamos dizer: “Penetra no reino da memória. Lá estão os fatos e mistérios que merecem ser revividos”.
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