O saudoso mestre Alceu Amoroso Lima costumava citar uma anedota literária. Dizia ele que um pretenso poeta queixava-se a um poeta consagrado: "Tenho excelentes ideias, mas não consigo transpô-las para o papel". Sarcástico, o poeta observou:"Poemas não se escrevem com ideias, mas com palavras".
Esta questão me vem à lembrança a propósito do seguinte: em dadas situações, ao se escrever um poema, ele surge inicialmente como ideia. Devidamente anotada, pode virar um poema. Mas para isso tem ocorrer um intenso trabalho de burilamento. É a parte mais difícil, mais penosa.
Ideias podem surgir a todo instante. O poema não. Transformar essa ideia em poema exige muito mais que inspiração. É um sofrido trabalho de transpiração. É assim que reside a essência do fazer poético. Um poema pode ser escrito e reescrito até cem vezes. Sem nenhum exagero. Depende do rigor do poeta. Dificilmente um poema sai pronto.
Vamos a um exemplo concreto. Li um livro da poeta mineira Adélia Prado. A sua poesia tem o sabor das coisas de Minas. Tem o cheiro da terra. O gosto da sua culinária. Transpira o jeito de ser do mineiro.Desconfia do verso fácil. Em síntese: é uma delícia só. Tive a ideia de fazer um poema para homenagea-la. Assim esbocei (a ideia) o texto abaixo:
Na padaria,Adélia foi
e não trouxe pão;
em compensação,
serviu um prato
quentinho de poemas,
como se fosse
bolo de fubá,
que acabou
de sair do forno
do fogão caipira.
É claro, não me dei por satisfeito. Cortei, acrescentei, retirei, rememorei coisas que não constavam da ideia original. Reescrevi uma, várias vezes. Conservei, basicamente, a temática (ideia) central: pão, poema, poeta (Adélia). Depois de diversas burilagens cheguei a um formato que me agradou. É definitivo? Não sei. Provavelmente, não. O poema definitivo é aquele de técnica perfeita. Para se alcançar este estágio é necessário muito tempo, muito labor e muito talento.
Aprendiz de poeta, continuo me esforçando neste ofício extremamente difícil. Uma coisa asseguro: não vou desistir. Abaixo, transcrevo o resultado da minha carpintaria poética. Espero não decepcionar a minha homenageada: Adélia Prado. Como a Internet é um espaço de colaboração, estou aberto a comentários (positivos e negativos). Espero que os primeiros prevaleçam.
Pão e Poesia
Para Adélia Prado
Alimenta o corpo
Alimenta o espírito
Mãos ágeis
comprimem a massa
Mãos zelosas
esculpem palavras
Saem do forno
para serem servidos
Na bandeja
de esmalte
Na folha
de papel sulfite
São consumidos
avidamente
Pão e poesia,
ainda quentes
Uma autora,
duas obras
Poeta singular
das Minas Gerais.
(Francisco Barros)
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