sábado, 8 de março de 2008

Suave Decadência


Ser decadente é pejorativo? Depende do ângulo de visão. É o que assegura o nosso eterno cronista Arthur da Távola. Ele publicou, recentemente, uma crônica abordando esse assunto. Garanto que foi convincente ao defender uma posição diferente da usual. A crônica foi reproduzida no site de publicidade Acontecendo Aqui, de Santa Catarina. Quem duvidar, que confira o texto abaixo:


Um cantor em decadência


05/03/08

Alguém me diz que o cantor fulano está decadente. Certo ou errado, aquilo me machuca. E nem conheço a pessoa citada assim com desdém.

Sou um tripulante de solitárias madrugadas. De noites em que me isolo para repor as cargas multidirecionais de uma sensibilidade intensa e dispersiva. Freqüento canais, programas, estações de rádio fora da linha do sucesso, alguns - por que não dizer? - com aquele saboroso cheiro de decadência que a tudo aquece com tolerância e ternura.

Sim, decadência. Não temo a palavra. Amo-a. Sou parte dela. Decadente não é o ruim. Decadente é o bom que passou de moda. O ruim morreu. Decadente é o que não morreu porque é bom e, mesmo fora das vogas, persiste pela qualidade.

Tenho enorme reverência por tudo o que é decadente. Respeito. Porque decadente é o que permaneceu fiel ao que era e sempre foi. Casas, fachadas, muros, roupas, certos bares, pessoas que ficaram fixadas em sua geração sem ver o tempo passar, maneira de falar, pentear, morar, calçar, bailar, olhar, artistas, músicas, paredes, decorações: no decadente está o bom. O que permaneceu a despeito da avalancha de mudanças. O que resiste, apesar.

Na decadência estamos todos nós. Há algo que teima em ficar porque tem relações com o permanente, e não com o conservador. Decadente não é o superado. É o insuperável em seu momento de pobreza ou ostracismo.

Freqüento, dizia, programas, canais, rádios pelas noites e madrugadas, nos horários dos fora da mídia, quando o peso do sucesso passou e há condições de rever artistas no limbo, fora do estado de glória, ainda pouco conhecidos, ou teimosos. Gosto deles. Trazem recordações de passadas vivências. Presto-lhes em silêncio a homenagem de quem lhes sente a arte e entende a luta que empreendem.

É o impulso de um dever: o de dar atenção, aplauso fluídico aos artistas do fim de noite, do passado e da madrugada, os alijados do aplauso em vigor.

É o dever de quem se sente culpado por ter que dedicar a maior parte da sua atenção a quem está em evidência.

Afinal, o jornalista é um ser atrelado a trágicas obrigações com o mercado, o imediato, o que está sendo consumido aqui e agora.

(Arthur da Távola)

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