quarta-feira, 23 de abril de 2008

Os Trajes da Verdade


"Não há nenhum pensamento importante que a burrice não saiba usar, ela é móvel para todos os lados e pode vestir todos os trajes da verdade. A verdade, porém, tem apenas um vestido de cada vez e só um caminho, e está sempre em desvantagem"

A frase é do escritor austríaco Robert Musil, retirada do seu livro O Homem sem Qualidades, considerada uma obra-prima em razão de sua apurada técnica literária. Trata-se de um questionamento sobre a postura do indivíduo alienado diante da sociedade de massas. Mas, não resta dúvida: o autor, aparentemente, apresenta uma visão amarga da vida.

Mas as aparências enganam. O livro também é recheado de humor e sátira, como observou num ensaio sobre Musil, o crítico Marcelo Backes. Ele teceu o seguinte comentário sobre a obra:

"...O homem sem qualidades é uma bola de neve de ações paralelas, que rola pela montanha do século abaixo, abarcando tempo e espaço, para ao fim engendrar um romance inteiriço, ainda que multiabrangente, pluritemático e panorâmico.Ulrich – o homem sem qualidades – faz três grandes tentativas de se tornar um homem importante. A primeira delas é na condição de oficial, a segunda no papel de engenheiro (vide a carreira do próprio Musil) e a terceira como matemático, exatamente as três profissões dominantes – e mais características – do século XX".

Backes acrescenta a seguinte observação: "Os três ofícios são essencialmente masculinos e revelam o semblante de uma época regida pelo militarismo, pela técnica e pelo cálculo que, juntos, acabaram desmascarando o imenso potencial autodestrutivo da humanidade. O relato acerca da busca “desencantada” de Ulrich lembra a velha busca – ainda sagrada – do Santo Graal".

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Uma lenda de 68: Dany le Rouge



Maio de 68 começou em março. Explico. Dois meses antes da guerrilha urbana de Paris iniciar, aconteceu um conflito na Universidade de Nanterre. O motivo era prosaico: a Reitoria baixou uma norma proibindo os rapazes de visitar as moças em seus alojamentos. Por isso, o meu amigo Euler Belém, jornalista, brinca: 68 reiventou o 69.

Pois bem, um estudante judeu-alemão liderou um grupo de cem colegas contra essa decisão. Eles ocuparam a Reitoria. Assustado, o reitor tomou a decisão de chamar a polícia para desalojar os jovens rebeldes. O rastilho de pólvora estava aceso. Os estudantes de Nanterre foram para a Sorbonne (Universidade de Paris) para conquistar a solidariedade de seus pares.

O estudante que liderava a manifestação tinha os cabelos vermelhos. O seu nome: Daniel Conh-Bendit. Daí o apelido: Dany le Rouge (Daniel, o Vermelho). A sua fama alastrou-se. A liderança consolidou-se. Para alguns, ele era um Robespierre de Centro Acadêmico.

Dany era bolsista do governo alemão, filho de pais judeus que emigraram para a França fugindo do Nazismo. Em Nanterre, foi aluno de um professor brasileiro, exilado em Paris, que anos depois seria Presidente da República: Fernando Henrique Cardoso. Hoje, Dani é deputado do Parlamento Europeu pelo Partido Verde. Portanto, não é mais vermelho.

1968: O Poder Jovem nas Ruas


Mês que vem, comemora-se os 40 anos do Maio de 1968. Mas, há motivos para comemoração? Este é o questionamento que você pode fazer de cara. Será que não se está apenas incensando aquele bando de filhinhos-de-papai que saíram às ruas de Paris queimando carros, arrancando paralelepípedos, invadindo universidades e jogando pedras em policiais?

É claro que os episódios daquele ano podem ser analisados sob outra óptica completamente distinta. Foi nesse período que os ideais de liberdade e modernidade se fizeram sentir com mais intensidade, em especial, entre os jovens, filhos do pós-guerra. O chamado Poder Jovem insurgiu-se contra a autoridade. Que podia ser representada pelo pai, professor, chefe, burocrata, presidente ou rei.

Naquele ano mítico, tudo parecia possível. O homem estava próximo da lua. Os meios de comunicação, em especial a TV, interligavam o mundo via satélite. Pela primeira vez as famílias de classe média acompanhavam os horrores da guerra de sua sala de estar. A barbárie da guerra do Vietnã era mostrada com toda a sua crueza. O mundo vivia em plena Aldeia Global.

Enquanto isso, a revolução embalava os ideais juvenis. Daí o slogan famoso dos estudantes de Paris: "Seja realista, exija o impossível". Ou outro, que estava estampado nas pichações das universidades: " É proibido proibir". Entrincheirados em suas barricadas, também exigiam "A imaginação no poder". De Gaulle, o presidente francês, foi envolvido por um mutismo sepulcral.

A rebelião da juventude em 1968 era planetária. Além da França, também sacudiu a Alemanha, a Inglaterra, a Itália, e até países da chamada "cortina de ferro", como a Iuguslávia, que protagonizou a Primavera de Praga. Na América do Sul, os ecos foram ouvidos no Brasil e na Argentina, bem como na América do Norte - México e Estados Unidos.

Nos EUA, o movimento ganhou as ruas, sobretudo em razão da grande insatisfação da opinião pública norte-americana com os rumos da Guerra do Vietnã. Os jovens rebelaram-se contra o alistamento militar. Recusavam-se a ser bucha de canhão numa guerra sem sentido. Somava-se a isso, a luta pelos direitos civis, contra o racismo e pelos direitos das mulheres.

Quatro décadas depois, o que representou 1968? A revolução sonhada, é certo, não se concretizou. De toda sorte, um marco profundo se fez sentir nos costumes e na cultura. O mundo conservador, careta, reacionário, teve que dar passagem a idéias bem mais arejadas. Para o bem ou para o mal, independente da idade que se tenha hoje, somos herdeiros dos sonhos que embalaram aqueles tempos.

O vídeo abaixo dá uma idéia da rebelião e de como foi o conflito entre os estudantes e os policiais. Paris, a cidade dos amantes, tornou-se, literalmente, uma praça de guerra. Confira.

sábado, 12 de abril de 2008

Norah Jones: Voz de Veludo

Ela é o oposto da sua colega inglesa Amy Winehouse. Bem comportada, bem vestida, bem falada, enfim, boa moça. O seu jeito é meigo. Os seus gestos são comedidos. A voz, bem a voz, está a altura das grandes divas do jazz. Voz de veludo. Ela é Norah Jones. Vale a pena vê-la e ouvi-la.Clique.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Pérolas de Joel Silveira


Hoje, 7 de abril, comemora-se o Dia do Jornalista. Para homenagear a data, nada melhor do que falar de alguém que encarnou tão bem o jornalismo no Brasil. Trata-se de Joel Silveira, que sobreviveu a duas ditaduras: a de Vargas e a dos Militares.

Joel Silveira foi correspondente na Segunda Guerra Mundial, na Itália. Publicou mais de 40 livros. Em razão do seu estilo jornalístico, ganhou do dono dos Diários Associados, Assis Chateaubriand, o apelido de "víbora". Joel faleceu no dia 15 de agosto de 2007, aos 88 anos, no Rio de Janeiro.

São clássicos do jornalismo brasileiro duas reportagens de sua autoria sobre a sociedade paulistana: "Eram Assim os Grã-Finos de São Paulo" e "A Milésima Segunda Noite da Avenida Paulista". Para os amantes do bom texto que quiserem saborear o estilo de Joel vai uma dica de leitura: Guerrilha Noturna (Editora Record, 1994).

Foi desta obra que retirei os cinco aforismos abaixo. Deliciem-se.

Aforismo 27

Levei anos e anos para aprender a dizer não, mas aprendi. Agora o não me sai com a maior facilidade, sem qualquer inibição ou constrangimento.
Fulano, um espertalhão que conheço desde o começo dos tempos, e a quem já concedi, complacentemente, milhares de sins, me telefona:
- Você poderia...
E antes que ele continue, brado:
- NÃO!

Aforismo 67

"Há políticos que ignoram a realidade. Em compensação, a realidade também os ignora." - É de Karl Marx, que muita gente apressada imagina ter enterrado de vez.


Aforismo 132

Informa, em tom solene, o nobre senador: "Na Democracia, todos tem direito a discutir as suas idéias".
Que os organismos internacionais, a começar pela ONU e pela Corte de Haia, e mais os governos do mundo inteiro, sejam cientificados com a maior urgência da espantosa revelação. Confesso que a mim ela ocasionou febre de quarenta graus, tosse convulsiva e batidas aceleradas no coração.

Aforismo 179

A profissão de jornalista tem uma desvantagem capital, entre outras menores: obriga o jornalista a conhecer toda espécie de pessoa, gente demais. E conhecer gente demais implica decepção demais, desencanto demais - e, até, o que é ainda mais incômodo, enjôo demais.

Aforismo 206

Aquele jornalista (ou "cientista político", como prefere ser chamado) é tão autosuficiente que se alguém lhe disser que andam falando em seu nome para a sucessão presidencial, ele, em vez de rir da pilhéria, será capaz de responder, enfático e pomposo:
- São idéias dos meus amigos... De qualquer maneira, não tomarei qualquer atitude sem antes consultar as minhas bases no Olimpo.

Tempo para Refletir


"O tempo é a imagem em movimento
da eternidade imóvel".
Platão


Luiz Carlos Maciel, jornalista , roteirista, diretor de teatro, professor e escritor, é um craque do vernáculo. Saudado como guru da contracultura, Maciel foi colaborador do Pasquim e um dos fundadores da edição brasileira da Revista Rolling Stones. Em março de 2003, Maciel escreveu um artigo sobre o tempo, no caderno "Fim de Semana", da Gazeta Mercantil. O texto é ilustrativo do seu talento.

O artigo é um primor. Tanto do ponto de vista estilístico, quanto da precisão da linguaguem; erudito e filosófico. Induz à reflexão. Na epígrafe, cita Caetano Veloso: "Por seres tão inventivo/E pareceres contínuo/Tempo Tempo Tempo Tempo/ És um dos deuses mais lindos". Trata-se da letra da canção "Oração ao Tempo".

Ah, não citei o título do artigo. Chama-se "O Tempo Somós Nós". Este, sem dúvida, é um tema instigante. Sempre povoou o nosso imaginário, desde o início dos tempos, nos primórdios da civilização, quando o homem começou a refletir sobre a sua posição no universo.

Você deve estar se perguntando: por que citar este artigo agora? Por uma razão prosaica. Estava em casa, limpando uma gaveta, quando saltou em minhas mãos o caderno "Fim de Semana", da Gazeta Mercantil. Folheei. Cheguei ao artigo, que ocupa toda a contra-capa. Não resisti. Reli com prazer o texto de Maciel.

Foi então que tive a idéia de transcrever alguns trechos, que considero os mais significativos do artigo, como forma de homenagear o autor. Maciel nasceu no dia 15 de março de 1938, em Porto Alegre (RS) e mora, atualmente, na cidade do Rio de Janeiro.

"O objetivo fundamental da ciência ocidental, em relação ao tempo, foi - e ainda é - medi-lo com objetividade e precisão. O relógico mecânico, inventado no século XIII, obedecia a este propósito. As mudanças que trouxe foram importantes, ele modificou a própria organização da sociedade - e inaugurou uma nova civilização, atenta à passagem do tempo e, portanto, à produtividade e ao desempenho".

***

"A concepção comum do tempo o considera uma estrutura tríplice: passado, presente e futuro. Nenhum desses três momentos existe, a rigor. O passado não existe mais; o futuro ainda não existe; o próprio presente é mera passagem abstrata do passado para o presente, sua vigência se reduz ao instante inextenso. Mas se o tempo não existe, por que nos parece tão real, a ponto de falarmos, por exemplo, em ter e não ter tempo? Há um esforço por parte do pensamento humano para conferir realidade ao tempo".

***
"(...) O caráter fixo do passado, sua imobilidade, são tão necessários para ancorar o fluxo do tempo, mesmo sem negar o outro mundo da eternidade imóvel, que até mesmo os teólogos não hesitaram em limitar a onipotência de Deus, negando-lhe o poder de modificar o passado. Deus pode tudo, menos desfazer o que já aconteceu. Quanto ao futuro, sabe-se que virá mas não se sabe o que será e em que irá inevitavelmente se transformar. E o presente não cessa de nos escapar, a cada instante; ele perpetuamente aniquila a si próprio. O tempo é relativo e indeterminado".

domingo, 6 de abril de 2008

Gol de Placa

Não resisti ao impulso de postar este comercial. Eu o conheci no site da agência de publicidade Insight. É extremamente criativo. Mas, ao mesmo tempo, simples. Conta uma história emocionante. Um gol de placa da marca de chocolate norueguesa Stratos. Vale a pena conferir.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

A Palavra Revitalizada


Littera scripta manet. Esta é uma máxima romana, proferida pelo poeta Horácio, há cerca de 2 mil anos. Significa: a palavra escrita permanece. Será que esta sentença continua atual?

Estou convicto que, em plena era digital, a palavra está a cada dia mais fortalecida. A palavra escrita assenta-se num posto privilegiado. Diferente do que alguns chegaram a cogitar, o advento das novas tecnologias reforçou a sua importância.

Este Blog, assim como milhões de outros que circulam pela realidade virtual, é uma prova do vigor da escrita, do texto. O mesmo poderíamos dizer dos e-mails. A efervescência da comunicação não pode prescindir da palavra. Ponto para os escribas.

No caso específico dos Blogs, deve-se atentar para um fenômeno curioso. Ele extingue as fronteiras que separam autor, editor e leitor. Neste aspecto, retoma-se uma tradição dos monges medievais, anterior à invenção de Gutemberg, dos tipos móveis.

Quem chamou atenção para esse aspecto foi o estudioso Paul Saffo, do Instituto para o Futuro, da Califórinia. Ele também observou que os blogueiros pesquisam, assimilam, selecionam e editam os seus textos. Tudo isso, praticamente, em tempo real.

"Nos tempos de Gutemberg" - comentou Saffo - "o prelo deu vida aos textos e os difundiu, mas com o terrível ônus de torná-los formais e imutáveis - as palavras imobilizavam-se como insetos paleolíticos aprisionados no âmbar".

Ainda, segundo Saffo, "o texto eletrônico transformou-se num novo meio de comunicação, que combina a fixidez da prensa com a capacidade de alteração do manuscrito. Aciona-se um tecla, e centenas de linhas evaporam-se numa fumaça virtual; apertando-se outra, elas reaparecem na tela num instante. Separado do precário papel, o texto pode ser tudo, menos indestrutível".

O Escritor dos Labirintos


Uma vez, comentando a obra de Jorge Luis Borges, o escritor e ensaísta peruano Mario Vargas Llosa, o definiu com as seguintes palavras:

"O estilo borgiano é um dos milagres estéticos do século que termina, um estilo que desinflou a língua espanhola da elefantíase retórica, da ênfase e da reiteração que a asfixiavam; que a depurou até quase a anorexia e a obrigou a ser luminosamente inteligente".

Sem dúvida, um claro reconhecimento a um dos maiores mestres das letras do século XX. Saudado pela crítica mundial como o escritor dos labirintos, dos tigres, das facas, Borges deixou para a posteridade uma sentença que é a sua imagem.

"Somos nossa memória, esse quimérico museu de formas em constante mudança e esse amontoado de espelhos partidos".

Ainda mais instigante é esta outra sentença retirada do seu livro Aleph:

"Ser imortal é insignificante ; com exceção do homem, todas as criaturas o são, pois ignoram a morte; o divino, o terrível, o incompreensível é saber-se imortal"

Que é Comunicação?


Comunicação é um campo amplo e fértil. Trabalha-se a inteligência, a consciência, as idéias. Por isso, esta é uma área que se aperfeiçoa constantemente. Está sempre em movimento e desenvolvimento. Tanto no que se refere a técnicas, quanto a instrumentos. O objetivo que a comunicação almeja, constantemente, é sempre o mesmo: conquistar os corações e as mentes.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Santa Felicidade



Este é o nome de uma confraria da qual faço parte. As reuniões são semanais. Ao contrário do que parece, não damos notas para vinhos. Não discutimos - a sério - safras, harmonizações, terroirs, e outros temas de iniciados. Afinal, somos leigos.

A conversa - sobre qualquer assunto - é tão importante quanto o vinho que bebemos e o prato que comemos. O bate-papo deve, necessariamente, ser descontraído. Quanto mais humor melhor. O estoque de piadas deve ser maior que o de vinho. Por isso, pode-se dizer: é uma celebração de amigos. Isto é: Santa Felicidade.

Amy Winehouse

Ela é a nova pequena rebelde da música inglesa. Inúmeros escândalos estão associados à sua imagem. Já disseram que a sua voz "soa como o fantasma da Sarah Vaughan". Não cansam de apontar que as suas ações são auto-destrutivas. E são.

O seu penteado em forma de bolo de noiva, os seus olhos fortemente marcados por sombreadores, os seus braços tatuados com imagens de pin-ups old school, as suas roupas desleixadas, as suas aparições públicas alcoolizadas, tudo chama atenção.

Mas nada disso suplanta a sua voz. A tristeza intrínseca é como um brado abafado. O seu R&B retoma a melhor tradição do gênero. Em todo o seu ser, ela condensa a rebeldia do Rock and Roll. Senhoras e senhores, com vocês: Amy Winehouse.