quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A História de Encontros Memoráveis



Mantenho o saudável hábito de visitar sebos. No último sábado, fui ao centro da cidade. Parei num próximo da  Av. Goiás com a Paranaíba. Garimpando muito, deparei-me com uma pequena jóia de capa dura, muito bem encadernada. Trata-se da obra "Primeiros Encontros - Um Livro de Encontros Memoráveis".  Os autores são Nancy Caldwell Sorel e Edward Sorel. Acertou se você intuiu que se trata de marido e mulher. Ambos nascidos nos EUA.

Ela, escritora; ele, artista gráfico, responsável pelas soberbas ilustrações dos personalidades descritas. Os textos são enxutos, concisos, objetivos. Nenhum ultrapassa uma página. São pequenos recortes na vida de pessoas influentes em seus respectivos campos de atuação - cineastas, escritores, atores de cinemas, músicos, pintores, políticos, magnatas, filósofos e, até, mafiosos.

Pense numa personalidade influente dos séculos XVIII, XIX e XX. Provavelmente estará retratado, seja na prosa macia de Nancy, seja nos traços seguros de Edward. Freud, Voltaire, Lenin, Chaplin, Al Capone, Orson Wells, Hitler, Billie Holiday, Marilyn Monroe, Winston Churchill, Bertrand Russel, Victor Hugo, enfim, todos que interessam estão contemplados na obra.

A leitura é prazerosa. Do início ao fim. Uma festa para os sentidos, porque promove um perfeito casamento entre os textos (na verdade breves perfis) e as ilustrações. O leitor é fisgado pela descrição do "xaveco" que o magnata Howard Hughes lançou sobre a exuberante atriz Ingrid Bergman. O gavião não raptou a presa. Ingrid resistiu olimpicamente.

Não se pode dizer o mesmo do encontro dos escritores Edmund Wilson e Mary McCarthy. Ele, baixo e gordo, com 42 anos e ela na flor da idade, com 25. Era outubro de 1937. Depois de um convite para jantar feito por ele, a paixão se instalou. Casaram. O enlace não durou muito tempo, mas rendeu boas histórias, a exemplo de outro casal do balacobaco - F. Scott Fitzgerald e Zelda.

Voltando ao volume que comprei. A José Olympio, tradicional casa de livros fundada em 1931, fez um belo trabalho ao editar a obra.  O exemplar que adquiri é uma 2a. edição de 1996, ou seja, de dezoito anos atrás. Não sei se novas edições foram lançadas. Mas bem que merecia. Acredito que está fora de catálogo da editora. Mas quem sabe você tenha tanta sorte quanto eu e consiga garimpar um exemplar perdido em algum sebo? Afinal, a esperança...

Ficha Técnica
Título: Primeiros Encontros - Um Livro de Encontros Memoráveis
Autores: Nancy Caldwell Sorel e Edward Sorel
Gênero: Humor e Celebridades
Editora: José Olympio
Páginas: 130
Ano: 1996

Orelha de Papel

Resolvi imprimir um foco mais específico para o Blog. Daí porque estou adotando uma nova identidade. E ela começa pelo nome: Orelha de Papel. O que isso significa? Vou focar no mercado editorial. O meu objetivo, como já estou fazendo há alguma tempo, é resenhar os livros que leio.

Mas não vou me limitar às resenhas. Quando achar conveniente, vou falar sobre o universo dos livros de maneira mais ampla. Por exemplo: o trabalho de edição e lançamento de livros, distribuição e, também, sobre o mercado de livros digitais (e-books).

Também não deixarei de publicar minhas crônicas, poesias e contos. Acredito que esses textos vão contribuir para arejar o blog. E, ainda, servem de estímulo para o exercício literário. Afinal, já não faz mais sentido, nos dias que correm, a existência de escritor de gaveta, escritor inédito.

Portanto, sejam muito bem-vindos ao Blog Orelha de Papel. Espero podermos compartilhar o gosto e o prazer da literatura e dos livros. Boas leituras!

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Stevenson: Nem Médico, Nem Monstro




Li de forma despretenciosa "Stevenson Sob as Palmeiras", do escritor argentino Alberto Manguel. A obra narra as vivências do escritor (romancista, ensaísta e poeta) escocês, Robert Louis Stevenson, em Samoa, ilha onde fixou residência, depois de dar a volta ao mundo. Nesses confins idílicos do Pacífico Sul, isolou-se para escrever em silêncio e dar asas à sua fantástica imaginação.

Fã confesso de Stevenson, Manguel decidiu tomá-lo como personagem. O autor nos conduz calmamente ao paraíso tropical do consagrado escritor. Descreve a residência confortável do autor, o escritório arejado, o sol e o calor, a sombra dos flamboyants e a nudez das mulheres da ilha de Samoa, classificada como "pele escura, brilhante e dura como pedra vulcânica".

Tudo parece ir bem para Stevenson, que é idolatrado pelos nativos da ilha. Eles se referem ao romancista como Tusitala ou "contador de histórias". Em determinada altura, um crime abala o suposto nirvana tropical. A tensão e o mistério se instalam, bem como se agrava a doença do escritor (ele era tuberculoso). Vida e ficção se misturam. É quando afloram, também, as agudas diferenças culturais dos europeus e dos nativos.

Todo esse enredo -ambientação, história e personagens- só poderia render boa literatura. É o que faz com muita competência Alberto Manguel. O autor dignifica o gênio do seu colega escocês que nos legou clássicos do porte de "O Médico e o Monstro" e "A Ilha do Tesouro".

"Stevenson Sob as Palmeiras" é uma competente homenagem ao mestre do terror e das aventuras. E, por isso, é um convite e um incentivo para penetrar no mundo do grande estilista e contador de histórias que foi Stevenson. Para se ter ideia do seu prestígio, foi, também, admirado por mentes brilhantes como Jorge Luis Borges, Graham Greene e Italo Calvino.

Sobre o seu personagem, Manguel adverte: "Ler Stevenson é uma aventura intelectual, um encontro com uma mente clara e despretenciosamente inteligente; mas, acima de tudo, é um ato de amizade, pois quem abre um de seus livros (a menos que tenha o espírito insensível e a cabeça embotada) ganha um amigo generoso e honesto para o resto da vida".

Ficha Técnica
Título: Stevenson Sob as Palmeiras
Autor: Alberto Manguel
Gênero: Ficção Policial e de Mistério
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 88
Ano: 2000

domingo, 26 de janeiro de 2014

Uma Janela para o Universo Pessoal



O autor do consagrado best-seller "Uma Breve História do Tempo", Stephen Hawking, faz algo que parecia improvável: lançou há pouco "Minha Breve História". Nesta nova obra, em tom autobiográfico, narra a sua trajetória pessoal, desde a infância, na Londres do pós-guerra, até obter a consagração e o reconhecimento da comunidade científica internacional.

O cientista mais famoso da atualidade, que conquistou leitores no mundo todo ao explicar os mistérios do universo, volta-se  para o seu universo pessoal. Com muita desenvoltura, fala da descoberta da sua doença (esclerose lateral amiotrófica), aos 21 anos, até as desavenças conjugais - separou da sua primeira mulher, com quem teve três filhos. E, também, relata a experiência do seu segundo casamento, que também foi desfeito.

Mas não pense o leitor que o livro tem alguma coisa parecida com as revistas "Contigo" e "Caras". E não se trata, muito menos, de um livro de auto-ajuda. Embora, deva-se reconhecer, que em alguns momentos o relato possa servir de inspiração motivacional para quem está ingressando no restrito mundo da física e da cosmologia.

Concordo plenamente com o que diz a orelha do livro. Ao nos aventurarmos pelo universo de Howking nos deparamos com um autor: "perspicaz, íntimo e inteligente". A obra, acrescenta o texto da orelha, "abre uma janela para o universo pessoal de Howking". Nesse aspecto, temos que admitir: somos todos bisbilhoteiros. Afinal, trata-se da vida extraordinária  de um dos mais brilhantes cosmologistas de nosso tempo. E isso não tem nada a ver com Big Brother, que, convenhamos, é um amontoado de nulidades.

O leitor não deve esperar por relatos melodramáticos, tão ao gosto das novelas mexicanas. O autor, ao se despir (no bom sentido) para o público, tem o cuidado de usar da simplicidade e do humor para descrever a sua evolução pessoal e intelectual. Somos convidados para uma conversa na sua sala de visitas. Ele nos conta que já apostou com um colega sobre a existência de um buraco negro.

Interessante que Howking dá a entender que, realmente, gosta de apostas e, também, é curioso com as apostas alheias. Com muita sagacidade, revela o seguinte caso: " Quando eu tinha doze anos, um dos meus amigos apostou um saco de doces com outro que eu nunca seria ninguém. Não sei se tal aposta foi paga algum dia, e se foi, quem a ganhou".

Em outro momento, de novo o autor nos surpreende: "Sempre fui um aluno mediano", para acrescentar em seguida que a sua turma era de pessoas brilhantes. Outra revelação: "Meus trabalhos escolares não tinham capricho e minha caligrafia era o desespero dos professores". Ou seja, por trás do gênio, habita um simples mortal.

Nós, simples mortais, que sempre buscamos inspiração nos mitos e nos gênios, podemos nos espelhar nessa frase simples e sincera: "Quando você se depara com a possibilidade de uma morte precoce, percebe que a vida vale a pena e que há muitas coisas que você deseja fazer". Isso, por si só, vale a leitura do livro despretencioso do Einstein moderno. E você, ainda vai reclamar de dificuldades e de falta de tempo?

Ficha Técnica
Título: Minha Breve História
Autor: Stephen Hawking
Gênero: Autobiografia
Editora: Intrínsica
Páginas: 144
Ano: 2013


A Literatura a Serviço da Verdade



A literatura deve ter compromisso com a realidade? Deve influir nos rumos dos acontecimentos históricos? Acredito que foi a resposta a estas dúvidas que estimularam os escritores Carlos Heitor Cony e Anna Lee a escreverem "O Beijo da Morte". A obra é um mistura de reportagem e ficção. Mexeu num vespeiro político. Diria mais: num trauma da história recente do Brasil.

Escrito em 2003, o livro foi peça importante para reabrir as investigações sobre as mortes dos líderes da chamada "Frente Ampla", que aglutinou no mesmo polo político Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda. Eles se uniram para combater a ditadura militar implantada no país em 1964 (este ano completa cinco décadas).

Pois bem, passados pouco mais de 10 anos desde a publicação, os resultados perseguidos pelos autores começaram a dar frutos concretos. Os casos foram reabertos. No ano passado, por exemplo, os restos mortais do ex-presidente João Goulart, que estavam na Argentina, foram trasladados para o Brasil.

Jango, como o ex-presidente era conhecido, teve os seus direitos políticos restituídos e foi recebido no Palácio do Planalto com honras de chefe de Estado. Fez-se um reparo na história, pois o seu governo constitucional foi deposto por uma quartelada que lançou o país no obscurantismo por mais de duas décadas.

Pairava no ar a suspeita de que Jango foi vítima de envenenamento quando vivia na Argentina, na cidade de Mercedes. Na época de sua morte (6 de dezembro de 1976), as autoridades constituídas não se deram ao trabalho sequer de fazer a autópsia do corpo. Foi enterrado às pressas na Argentina. Não foi permitido que regressasse ao Brasil, ainda que morto. Temia-se que o velório se tornasse um ato político.

As mortes de Jango, JK e Lacerda ocorreram num curto período de dez meses. As circunstâncias que as envolveram foram, no mínimo, suspeitas. JK foi vítima de um acidente automobilístico, Jango de ataque  cardíaco e Lacerda morreu sem diagnóstico preciso. Suspeitou-se de septicemia.

Soube-se, posteriormente, que as ditaduras militares da América do Sul (especialmente, do Brasil, Argentina, Uruguai e Chile) atuaram em estreita colaboração. Casos vieram à tona de queima de arquivo e limpeza de terreno para evitar o restabelecimento da democracia no Cone Sul. Inclusive, o ex-ministro de Salvador Allende, Orlando Letelier, foi morto em setembro de 1976, vítima de uma bomba, em Washington (EUA).

Tendo esse intrincado contexto histórico como pano de fundo, Cony e Anna Lee misturamram fatos e ficção, Criaram um personagem central que é um repórter que tem como ideia fixa provar que os três líderes brasileiros foram vítimas de uma trama política da chamada "Operação Condor", como ficou conhecida a operação entre os serviços secretos da região.

Ágil, objetivo e direto, os autores construíram um thriller político. A obra é fruto de um minucioso trabalho de pesquisa, que consumiu mais de um ano. O resultado é um romance-reportagem que se lê de um só fôlego. Ao colocar o dedo nessa ferida histórica, procuraram descortinar o véu da verdade, ainda que tateando no escuro. A história agradece por esse trabalho de fôlego, argúcia e obstinação.

Ficha Técnica
Título: O Beijo da Morte
Autores: Carlos Heitor Cony e Anna Lee
Gênero: Romance-Reportagem
Editora: Objetiva
Páginas: 283
Ano: 2003

(Francisco Barros)

sábado, 25 de janeiro de 2014

Um Mergulho na Alma Portuguesa


Gosto de aventurar-me por autores desconhecidos, pelo menos, para mim. Por vezes, somos recompenados com gratas surpresas. Quando não, ao menos valeu a tentativa. Em matéria de leitura, quem não corre riscos priva-se do prazer de navegar por mares literários desconhecidos e deslumbrantes. A descoberta é estimulante.

Foi imbuído desse espírito que lancei-me à leitura de "As Horas Extraordinárias", do escritor e crítico português Luís Forjaz Trigueiros. Para ser sincero, fui estimulado pelas palavras do saudoso baiano Jorge Amado, que disse o seguinte sobre o autor: " Reiventou Portugal, a paisagem e os habitantes, numa série de admiráveis brochuras, esclareceu temas e personagens em artigos e e ensaios críticos, com aguda visão, sempre armado de compreensão e simpatia".

Outro que atestou as qualidades literárias de Luís Forjaz foi o acadêmico Antônio Carlos Villaça, para quem "Trigueiros escritor é a própria imagem do movimento...da vida". Sobre os seus contos, teceu o seguinte comentário: "...tecnicamente impecáveis, irretocáveis, nos transmitem esse amor à vida, esse interesse pelo humano, esse respeito do ser humano, cuja verdade ele busca".

Avalizado pelos dois mestres brasileiros, lancei-me à leitura das "crônicas da vida lisboeta". O nosso autor revela-se um esteta, seja ao descrever as paisagens naturais da cidade, seja, sobretudo, as desnudar os seus tipos psicológicos. E o faz utilizando uma linguaguem plástica, quase musical, digna dos grandes ficcionistas da língua portuguesa.

Mas Luís Forjaz não se limita ao lírico. Ele também sabe exercitar o humor, sutil e inteligente. O melhor exemplo é o conto "Desporto de Inverno". Um outro aspecto que chama atenção é que os seus personagens habitam uma Lisboa que se digladia entre a preservação histórica e a modernidade, esta que não respeita as tradições. Transitam numa sociedade que assiste ao processo acelerado de industrialização. Esse é o pano de fundo de praticamente todos os 10 contos do livro.

O choque do arcaico e do moderno é o fio condutor, o leitmotiv, da obra de Trigueiros. Inconscientemente, os personagens são impactados por essa dialética. Eles se movem sob a influência desse "fantasma" que os espreita e os persegue. Assim, o autor tece a sua teia com muita competência. Tanto que, no mesmo diapasão em que envolve os seus personagens, captura o leitor. Como um visgo.

Pode-se dizer que, ao nos convidar para passear pelas ruas de Lisboa e conhecer de perto a sua gente, Trigueiros nos envolve nos matizes e nos entretons da alma portuguesa. E esse movimento soa-nos como um fado que está sendo executado, não com música, mas com palavras. Até os silêncios são ouvidos. E dão asas à imaginação e te conduzem às ruas da velha Lisboa de antigamente.

Ficha Técnica
Título: As Horas Extraordinárias
Autor: Luís Forjaz Trigueiros
Gênero: Contos
Editora: Nova Fronteira
Páginas: 182
Ano: 1988

(Francisco Barros)