quinta-feira, 21 de março de 2013

Dostoiévski e a opressão da mulher




Acabo de folhear as últimas páginas de um livro oportuno para o mês de março, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher. O 8 de Março, como todos sabemos, se propõe a denunciar a opressão e a violência contra esse gênero. É bem verdade que, em termos de conquistas, o século XX foi pródigo nesse terreno. Foi o período de (re)afirmação da causa feminina (ou feminista). No século XXI, caminha-se a passos firmes no sentido da tão sonhada igualdade de direitos (pelo menos no Ocidente).

Recuando no tempo, o que dizer do século XIX? Até então, a mulher não tinha vez, nem voz. Eram raras as escritoras e artistas. Mas justamente nesse século um gigante das letras solidarizou-se com esta causa. Escreveu uma peça literária de expressiva agudeza. Nela denuncia o regime despótico a que as mulheres eram submetidas. O autor em questão é o russo, nascido em Moscou (1821-1881), Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski. A novela é uma pequena obra-prima. Intitula-se: “Uma Criatura Dócil”.

Dostoiévski retrata a vida de um casal. Com o seu gênio inventivo, escusa-se a recorrer a uma narração convencional, linear. Mais sugere que descreve. Utiliza-se de uma espécie de diário confessional, repleto de trilhas tortuosas, reentrâncias, guinadas e solavancos. Com isso, o leitor é conduzido a tirar suas próprias conclusões a partir do depoimento do marido. Percebe-se que se trata de um ser mesquinho, avaro, truculento, diabólico, às vezes, misantropo.

As visões e opiniões desse personagem são parciais, fruto de uma mente doentia. Mas ele, no meio de sua loucura e delírio, deixa-se retratar por inteiro. Cai o véu de sua personalidade. Aflora e transparece o egoísmo, canalhice, petulância e sabujice. Vem à tona a crueldade dos pequenos gestos, da incomunicabilidade, o despotismo de uma relação dúbia. Utiliza-se da força (em todos os sentidos, inclusive, da econômica), para fazer prevalecer as suas idiossincrasias.

Paralelamente, emerge a figura frágil, solitária, incompreendida, meiga, sem nome, heroína trágica, que é a esposa, de apenas 16 anos, que dá título à novela. Ao retratar esta personagem sob a ótica de seu carrasco, Dostoiévski engrandece a sua “Criatura Dócil”. Confere à história o status de tragédia urbana, realista, mas com altas doses de psicologia, marca registrada do escritor russo.

Esta pequena joia rara é a peça literária mais contundente escrita no século XIX contra a dominação da mulher. Trata-se de um olhar pungente sobre o universo feminino. Não sem razão, chegou a ser lembrada como “uma das mais vigorosas novelas do desespero na literatura mundial”. O francês André Gide foi taxativo. Qualificou-a de “uma coisa estupenda”. Dostoiévski foi feminista quase um século antes do feminismo.



Um comentário:

Unknown disse...

Dostoievski é e sempre vai ser meu escritor favorito. Não só nessa obra que você citou ele pensou nas mulheres, como em crime e castigo e várias outras que falam como as prostitutas eram maltratadas na sociedade por levarem essa vida.