quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Brasília: 50 anos




Já foram deflagradas as comemorações dos 50 anos de Brasília. Muitas homenagens serão realizadas. Mas passado meio século, até hoje existem contestações sobre a mudança da capital. Haja saudosismo. Apesar disso, parece-me que foi inegável o acerto do presidente Juscelino de apostar na interiorização do Brasil.

Dentre inúmeros textos que exaltam Brasília, gostaria de reproduzir um em especial. O autor é o cronista e poeta mineiro Paulo Mendes Campos. É uma crônica do livro "Os Bares Morrem Numa Quarta-Feira" (Ed. Ática, 1980, 176 Pág.). O título é simplesmente "Brasília". Reproduzo os quatro parágrafos finais.

"Brasília comove. A mim comove. Sei que uma casa e uma praça são belas quando me comovem. Mas não conheci pelo mundo qualquer outra cidade que me comovesse em sua integridade, só pela compressão estética de suas linhas, independente de sua história ou de minhas motivações subjetivas.

Essa comoção me bastaria, se eu também não visse ali, envolvendo as massas arquitetônicas e os vazios esculturais, uma ordem mais concêntrica, uma idéia que se multiplica e oferece espaços vitais mais afáveis, uma sugestão para relações mais justas e leais entre os habitantes de cidade, uma concentração mais harmoniosa de possibilidades humanas.

Goethe dizia que os animais estão sempre tentando o impossível e conseguindo-o e que era esta a missão dos homens.

Brasília é um convite para que os brasileiros tentem o impossível: uma ordem limpa; a solidariedade social dentro da multiplicidade dos interesses humanos".

sábado, 14 de novembro de 2009

Memória e Esquecimento em Villas-Bôas Corrêa


Acabo de ler "Conversa com a Memória - A História de Meio Século de Jornalismo Político", do jornalista Villas-Bôas Corrêa (Ed. Objetiva, 2002, 288 pág.). O autor adverte que não é um livro de história, pois ele não é historiador; não é uma livro de especulação sociológica, posto que ele não é sociólogo. São as memórias de um jornalista com mais de meio século de ofício.

Registro de quem sempre esteve no olho do furacao, a obra narra os fatos mais significativos da história do Brasil a partir de 1945, após a queda da ditadura de Vargas. Passa pelo governo de Dutra, o retorno de Vargas voto popular, o suicídio do velho caudilho, a eleição e renúncia de Jânio Quadros, a ascenção e queda de Jango, o golpe militar, os governos dos generais, as diretas-já, a eleição e agonia de Tancredo, o governo Sarney e a vitória de Collor.

Quem é mais observador deve ter notado um hiato histórico - o governo de JK (1956-1961). Estranhamente, o veterano jornalista deixa uma lacuna em suas memórias. Discorre muito pouco sobre este período importante da história do Brasil. Como negar uma época tão singular e que marcou o país na segunda metade do século XX?

Foi durante o governo de JK que o Brasil começou, realmente, a ser desbravado. A olhar para dentro de si; é quando decide alterar o seu eixo de desenvolvimento. O país se dá conta que não se resumia ao litoral. A construção de Brasília fez com que a nossa arquitetura fosse respeitada mundialmente. O governo dos "50 anos em 5" revelou uma visão singularmente empreendedora.

Mas, vamos analisar as razões de Villas-Bôas Corrêa.

Villas-Bôas não esconde o saudosismo pela cobertura política que era feita no Rio de Janeiro. A cidade era, então, o centro do poder político e cultural do Brasil (décadas de 40 e 50 do século passado). Ele registra que foi na antiga capital da República, quando frequentava o Congresso em sessõs diárias, que se forjou o modelo de cobertura parlamentar e política que se pratica até hoje, com pequenas adaptações e evoluções.

O jornalista atribui à nova capital "a moda" da semana de dois, três dias úteis, nas sessões do Congresso Nacional. Na sua opinião, isso contribuiu para comprometer negativamente a cobertura política. "Nenhum jornal" - afirma - "transferiu para Brasília os seus quadros de repórteres especializados em acompanhar a rotina da atividade legislativa nas comissões e no plenário".

Villas-Bôas Corrêa demonstra toda a sua mágoa com Brasília quando faz a seguinte observação: "Nos tempos do Congresso no Rio a convivência com a família e a vigilância das esposas impunham a continuidade da rotina doméstica da pacata vida interiorana e da pausada cadência das capitais da maioria dos estados".

Como se vê, mesmo passados tantos anos, o jornalista não deglutiu Brasília. Ao longo do livro, ele deixa registrada inúmeras vezes a sua contrariedade com a construção da nova capital. Talvez, inconscientemente, dedica ao seu idealizador (JK) o pior de todos os sentimentos, superior, até mesmo, ao ódio: o desprezo.