quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Clarice Enigma


Agora em dezembro completam-se 32 anos da morte da escritora Clarice Lispector, um dos principais nomes da literatura brasileira do século XX. De origem ucraniana, Clarice também nasceu em dezembro, no dia 10, em 1920. Chegou ao Brasil com um ano de idade. Viveu a infância e parte da adolescência em Recife. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1935.

Aos 20 anos iniciou atividade no jornalismo, embora tenha cursado Direito, função que nunca exerceu. Construiu uma sólida carreira literária. Sua obra inclui contos, crônicas e romances. Seu estilo é singular. Introspectivo. Em artigo publicado no The New York Times, em 2005, foi descrita como o equivalente de Kafka na literatura latino-americana.

Carlos Drummond de Andrade definiu em versos a sua admiração pela escritora:
- Onde estiveste de noite
Que de manhã regressais
com o ultramundo nas veias,
entre flores abissais?
– Estivemos no mais longe
que a letra pode alcançar:
lendo o livro de Clarice,
mistério e chave do ar.

Clarice tinha consciência que era um mistério para si mesma. Sendo assim, como transpor as suas zonas de sombra? Como desvelar um pouco de sua personalidade? É necessário, pois, procurar as chaves para abrir as gavetas e pinçar (ou laçar) palavras para compor seu auto-retrato.

Ela confessou certa feita que jamais escreveria uma autobriografia. Mas é fato que deixou muitas pistas para os seus biógrafos. Estas pistas, claro, estão nos seus escritos, na composição de seus personagens e, também, nas suas crônicas confessionais.

O leitor atento sempre vai encontrar em algum escrito de Clarice uma nova chave para entender os seus mistérios. A leitura de sua obra é o mapa que possibilita “reveladores vislumbres de sua densa personalidade”, como assinalou Pedro Karb Vasquez, no site oficial da escritora.

Num depoimento sobre Clarice, com quem trabalhou em duas oportunidades , no Jornal do Brasil e no Diário da Noite, o jornalista Alberto Dines assim a definiu: “Clarice era tudo menos óbvia. Ela era secreta”.

Ou seja, isso reafirma, uma vez mais, a sentença: As gavetas secretas de Clarice são os seus escritos. Ler Clarice é como penetrar num porão escuro que aos poucos vai se iluminando. Bem-vindos ao mundo secreto de Clarice.

“Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Para que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada”.
(Do conto Felicidade Clandestina)

“Pela primeira vez, ele, que era um ser votado à moderação, pela primeira vez sentiu-se atraído pelo imoderado: atração pelo extremo impossível. Numa palavra, pelo impossível. E pela primeira vez teve então amor pela paixão”.
(Do conto Amor pela Paixão)

“Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo me agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornara uma menina feliz”.
(Do conto Restos do Carnaval)

“Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu somava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente”.
(Do conto Perdoando Deus)

“...meu sacrifício é reduzir-me à minha vida pessoal. Fiz do meu prazer e da minha dor o meu destino disfarçado”.
(Do conto O Ovo e a Galinha)

Os textos a seguir foram extraídos do livro “Aprendendo a Viver” -Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2004. Estes trechos estão no site oficial da escritora www.claricelispector.com.br

Viver e escrever
“Quando comecei a escrever, que desejava eu atingir? Queria escrever alguma coisa que fosse tranqüila e sem modas, alguma coisa como a lembrança de um alto monumento que parece mais alto porque é lembrança. Mas queria, de passagem, ter realmente tocado no monumento. Sinceramente não sei o que simbolizava para mim a palavra monumento. E terminei escrevendo coisas inteiramente diferentes.”
“Não sei mais escrever, perdi o jeito. Mas já vi muita coisa no mundo. Uma delas, e não das menos dolorosas, é ter visto bocas se abrirem para dizer ou talvez apenas balbuciar, e simplesmente não conseguirem. Então eu quereria às vezes dizer o que elas não puderam falar. Não sei mais escrever, porém o fato literário tornou-se aos poucos tão desimportante para mim que não saber escrever talvez seja exatamente o que me salvará da literatura”.


Amar os Outros

“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca [...].”


Ideal de vida

“Um nome para o que eu sou, importa muito pouco. Importa o que eu gostaria de ser.
O que eu gostaria de ser era uma lutadora. Quero dizer, uma pessoa que luta pelo bem dos outros. Isso desde pequena eu quis. Por que foi o destino me levando a escrever o que já escrevi, em vez de também desenvolver em mim a qualidade de lutadora que eu tinha? Em pequena, minha família por brincadeira chamava-me de ‘a protetora dos animais’. Porque bastava acusarem uma pessoa para eu imediatamente defendê-la.
[...] No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente se sente e usa a palavra que o exprima.
É pouco, é muito pouco.”

Lúcida em excesso
“Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.”.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Herman Hesse: para pensar


Herman Hesse (1877-1962) foi um escritor alemão de sucesso mundial.Isso no século XX. Até os anos 70, era muito lido, especialmente entre os jovens adeptos da chamada contracultura. Os hippies, da geração paz e amor. Escreveu obras de grande importância: "O Lobo da Estepe", "O Jogo das Contas de Vidro" e "Sidarta".

Na atualidade, fala-se pouco de Hesse, o que é uma injustiça. Sua obra é perene, sobrevive aos modismos. Pacifista, difundiu a cultura Oriental no Ocidente. Foi um pensador refinado. Um grande humanista e uma das figuras luminares das letras do século XX.

Para que se conheça um pouco de sua verve, transcrevo algumas frases que revelam centelhas do seu pensamento. Vale a pena reabilitar para os nossos jovens um escritor da estatura de Hesse, vencedor do Nobel de Literatura de 1946.

Deliciem-se com algumas de suas frases:

"Nada lhe posso dar que já não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo de imagens, além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo".

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"O homem culto é apenas mais culto; nem sempre é mais inteligente que o homem simples".

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"A paz não é um estado primitivo paradisíaco, nem uma forma de convivência regulada pelo acordo. A paz é algo que não conhecemos, que apenas buscamos e imaginamos. A paz é um ideal".

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"Ninguém pode ver nem compreender nos outros o que ele próprio não tiver vivido".

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"A sabedoria não pode ser transmitida. A sabedoria que um sábio tenta transmitir soa mais como loucura".

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"Quem é pequeno vê no maior apenas o que um pequeno é capaz de perceber".

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"Sem amor por si mesmo, o amor pelos outros também não é possível. O ódio por si mesmo é exactamente idêntico ao flagrante egoísmo e, no final, conduz ao mesmo isolamento cruel e ao mesmo desespero".

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"A alegria e o sofrimento são inseparáveis como compassos diferentes da mesma música".

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"Ler um livro é para o bom leitor conhecer a pessoa e o modo de pensar de alguém que lhe é estranho. É procurar compreendê-lo e, sempre que possível, fazer dele um amigo".


Hermann Hesse

domingo, 20 de dezembro de 2009

A sabedoria de Blake


"A maledicência revigora. O elogio relaxa".

A epígrafe que abre este texto parodia o poeta inglês William Blake. O velho e sábio Blake imprimiu a seus escritos um tom profético e místico. Usava uma linguaguem poderosa para afirmar a sua convicção na imaginação do ser humano.

Diferente de Blake, existem aqueles que se utilizam da imaginação e da má-fé (sobretudo esta última) para atingir outras pessoas. E o que é pior: escudam-se sob o manto do anonimato para desferir aleivosias. Mentem e difamam.

Embora afeito a atitudes rasteiras, revelam-se mais traiçoeiros que animal peçonhento. Este, por instinto, ataca quando provocado ou, amiúde, para se alimentar. Não se utiliza de subterfúgios.

Aqueles, muito ao contrário. Desfecham ataques fortuitos por mero prazer. Daí porque, o líquido que destilam é putrefato, fruto do seu "habitat" natural: sombrio, sórdido e sem luz.

Nenhuma surpresa quando se descobre o seu alimento cotidiano, à base da inveja, da incapacidade, da insensatez e da insídia. Uma coisa é certa: à luz do dia, não sobrevivem.

Isto posto, o mais correto é seguir a máxima de Blake, autor da seguinte pérola: "Como o ar ao pássaro, e o mar ao peixe, o desprezo ao desprezível".