sexta-feira, 6 de maio de 2011

A política e o exercício da cidadania




É inconteste que vivemos um período de grande descrédito na política e nos políticos. O desencanto se deve a vários fatores. Um deles: os sucessivos escândalos envolvendo agentes públicos. Nas escolas e universidades a participação dos jovens no movimento estudantil é mínima. O desinteresse desse segmento é lamentável. Afinal, caberá a eles conduzir os destinos do país.

A política feita com idealismo parece coisa do passado. Até que ponto esta afirmação guarda uma excessiva carga de saudosismo? Não obstante, a imagem que a população faz hoje dessa atividade está associada a interesses e vantagens pessoais. A fulanização da política contribui para reforçar essa situação. E o que dizer dos atuais políticos? Trabalham por causas coletivas? Quem são eles? Defendem propostas de interesse popular? Uma coisa é certa: é preciso estar informado sobre esses assuntos.

Para justificar o desinteresse pela política é comum ouvirmos a seguinte afirmação: “não gosto de política porque os políticos são todos farinha do mesmo saco, são todos corruptos”. Com isso, dão as costas a uma atividade que é vital para a organização da sociedade. Quem se abstém do processo político mal sabe que está dando um cheque em branco para aqueles que vão governá-lo.

Muitos críticos da política também não se dão conta da importância do voto. Enxergam o ato como uma mera obrigação. Não compreendem que este é um direito duramente conquistado. Melhor ainda: historicamente conquistado. A nossa jovem democracia ainda se ressente de aperfeiçoamentos. Impossível esquecer que de 1964 a 1985 vivemos amordaçados e subjugados por uma ditadura militar.

Os hábitos e costumes políticos só serão mudados se houver participação popular na política. Ignorá-la, em última instância, só reforça os políticos que querem usar a política como trampolim para enriquecer. Só haverá transformação real se enxergarmos a administração pública com outros olhos. Somos nós, eleitores, cidadãos, que devemos exigir transparência, ética, eficiência dos gestores públicos e dos nossos representantes no parlamento.

Adotar uma atitude eqüidistante é um erro crasso. Se não concordo com o cenário político, devo questionar: o que fazer para alterá-lo? Discutir política, nesse sentido, é debater os rumos que queremos dar para nossas vidas, nossa cidade, nosso Estado e nosso País. Até mesmo para o futuro do planeta terra. Esqueça, portanto, aquela idéia atrasada, retrógrada, segundo a qual política não se discute. Essa máxima deve ter sido criada por um político muito esperto (e, possivelmente, corrupto).

Todas as relações na sociedade são, em última instância, políticas. O ar que respiramos, só para ficar num exemplo, tem relação direta com a política. Quando está poluído é porque o tema está sendo negligenciado. Nesse sentido, política e cidadania são irmãs siamesas. Uma não sobrevive sem a outra. A cidadania necessária só será edificada se tivermos claro o seu significado político. Ela se traduz no tripé: bem comum, igualdade social e dignidade coletiva.

Viagem ao Reino da Memória



O que é a memória? Para que existe? Por que lembramos? Por que esquecemos? São muitas, é certo, as perguntas que envolvem este tema. O escritor Paul Auster, no livro “O Inventor da Solidão”, oferece uma resposta. Ele define a memória como “o espaço em que uma coisa acontece pela segunda vez”.

Encontrei uma conceituação, no mínimo, curiosa, no Mini Dicionário Sacconi: “Faculdade de conservar e experimentar de novo estados de consciência passados”. E fico a perguntar: Será que a invenção da escrita foi a maneira engenhosa que nós, humanos, encontramos para eternizar “estados de consciência passados”?

Para o escritor argentino Jorge Luís Borges, citado pelo italiano Domenico Di Masi, todos os romances e poemas escritos ao longo dos tempos repetiram, em versões infinitas, tão somente quatros histórias: a de uma cidade sitiada, a de uma viagem, a de uma busca, a do sacritfício de um deus.

No monumental “Em Busca do Tempo Perdido”, o escritor Marcel Proust faz uma fantástica escavação da memória. Recompõe fatos , revive sensações e sentimentos. Proust é um escafandrista. Mergulha em águas abissais para recolher a essência do tempo. Por fim, descobre que o que se perdeu pode ser reconquistado pela memória.

Umberto Eco no romance “A Misteriosa Chama da Rainha Leona” faz uma ambiciosa incursão ao passado. O protagonista Yambo perde parte da memória –afetiva e biográfica. Para recuperá-la, lança-se na leitura febril de jornais, revistas, gibis e livros que marcaram a sua infância e juventude. Eco/Yambo nos conduz, pelo fio da lembrança, a um vasto painel dos anos 30 e 40 do século passado. Farejando o passado, o autor edifica o seu “palácio da memória”, percorrendo labirintos insondáveis.

Palavra e memória (somadas a muita imaginação) são habilmente manipuladas nas aventuras narradas por Xerazade em “As Mil e Uma Noites”. Ela se utiliza desses recursos para seduzir o rei Xeriar. Este, traído por sua mulher, decide matar diariamente cada nova esposa, após uma noite de prazer. Para interromper este círculo de terror, Xerazade casa-se com o rei. Depois da sessão de amor, desfia histórias encadeadas. “Isto não é nada, comparado ao que contarei amanhã à noite”, diz ela. Por fim, Xerazade é poupada.

Voltando a Paul Auster. Na sua obra citada (O Inventor da Solidão), o autor faz uma imersão pelos labirintos da memória para meditar sobre a morte do pai. A reflexão que empreende busca o significado para a existência. É quando ele confronta a “Solidão” com a “Memória”, numa jornada poética que rompe a fronteira entre ficção e realidade. Encerra o livro com um alerta: “Foi. Nunca mais será. Lembre-se”.

Não seria demais supor que somos prisioneiros do tempo e da memória. Mais que isso: prisioneiros do passado; de memórias passadas. Estamos conectados aos nossos antepassados, que nos legaram a sua cultura, saberes e conhecimentos. Assim sendo, a escrita é o veículo que melhor traduz essa perenização.

“Penetra surdamente no reino das palavras” – convida o poeta Carlos Drummond de Andrade, acrescentando:”Lá estão os poemas que esperam ser escritos”. Parafraseando o imortal mineiro, poderíamos dizer: “Penetra no reino da memória. Lá estão os fatos e mistérios que merecem ser revividos”.