segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Estrelas


Espevitadas no céu
dançam a tremeluzir
fazem tanto escarcéu
que não me deixam dormir.

(Francisco Barros)

Poeta Aprendiz




O saudoso mestre Alceu Amoroso Lima costumava citar uma anedota literária. Dizia ele que um pretenso poeta queixava-se a um poeta consagrado: "Tenho excelentes ideias, mas não consigo transpô-las para o papel". Sarcástico, o poeta observou:"Poemas não se escrevem com ideias, mas com palavras".

Esta questão me vem à lembrança a propósito do seguinte: em dadas situações, ao se escrever um poema, ele surge inicialmente como ideia. Devidamente anotada, pode virar um poema. Mas para isso tem ocorrer um intenso trabalho de burilamento. É a parte mais difícil, mais penosa.

Ideias podem surgir a todo instante. O poema não. Transformar essa ideia em poema exige muito mais que inspiração. É um sofrido trabalho de transpiração. É assim que reside a essência do fazer poético. Um poema pode ser escrito e reescrito até cem vezes. Sem nenhum exagero. Depende do rigor do poeta. Dificilmente um poema sai pronto.

Vamos a um exemplo concreto. Li um livro da poeta mineira Adélia Prado. A sua poesia tem o sabor das coisas de Minas. Tem o cheiro da terra. O gosto da sua culinária. Transpira o jeito de ser do mineiro.Desconfia do verso fácil. Em síntese: é uma delícia só. Tive a ideia de fazer um poema para homenagea-la. Assim esbocei (a ideia) o texto abaixo:

Na padaria,Adélia foi
e não trouxe pão;
em compensação,
serviu um prato
quentinho de poemas,
como se fosse
bolo de fubá,
que acabou
de sair do forno
do fogão caipira.

É claro, não me dei por satisfeito. Cortei, acrescentei, retirei, rememorei coisas que não constavam da ideia original. Reescrevi uma, várias vezes. Conservei, basicamente, a temática (ideia) central: pão, poema, poeta (Adélia). Depois de diversas burilagens cheguei a um formato que me agradou. É definitivo? Não sei. Provavelmente, não. O poema definitivo é aquele de técnica perfeita. Para se alcançar este estágio é necessário muito tempo, muito labor e muito talento.

Aprendiz de poeta, continuo me esforçando neste ofício extremamente difícil. Uma coisa asseguro: não vou desistir. Abaixo, transcrevo o resultado da minha carpintaria poética. Espero não decepcionar a minha homenageada: Adélia Prado. Como a Internet é um espaço de colaboração, estou aberto a comentários (positivos e negativos). Espero que os primeiros prevaleçam.



Pão e Poesia
Para Adélia Prado

Alimenta o corpo
Alimenta o espírito
Mãos ágeis
comprimem a massa
Mãos zelosas
esculpem palavras
Saem do forno
para serem servidos
Na bandeja
de esmalte
Na folha
de papel sulfite
São consumidos
avidamente
Pão e poesia,
ainda quentes
Uma autora,
duas obras
Poeta singular
das Minas Gerais.

(Francisco Barros)

Manoel de Barros


Manoel, poeta alquimista,
transforma palavras em ouro,
singra rios a perder de vista,
no pantanal está teu tesouro.

(Francisco Barros)

Jardim


Tenho sementes
na garganta
brilho oculto
nos olhos
espelho quebrado
no bolso
improváveis
lembranças de Vênus
afora relíquias
guardadas no porão.
Mas, de tudo,
o que mais
me orgulho
é meu jardim
secreto:
de sonho
de neblina
de afeto.

(Francisco Barros)

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Hiroshima




Um pássaro pousa
no parque em Hiroshima.
O que sabe o pássaro
sobre Hiroshima?
O que sabe o pássaro
sobre o homem?
Ele apenas voa
e canta para
saudar a vida.
Hoje, flores
derramam
perfume no céu
de Hiroshima.
O vento evita
a imobilidade
das plantas.
O mesmo vento agita
os cabelos e a memória
dos habitantes
de Hiroshima.
Um leve assobio,
sussurros nas esquinas.
À espreita,
o horror subterrâneo
caminha de mãos dadas
com teus antepassados.
Mas, hoje, os pássaros
chilreiam nos parques,
pousam nas árvores
e não sabem
da tua dor, Hiroshima.
A brisa, fria, sopra leve.
Hoje, 6 de agosto, o mundo
te olha com ternura, Hiroshima.
A mágoa, a nódoa, a chaga,
te acompanham.
Caminham,em marcha,
no teu lento compasso.
E nada se apagou.
O vento não levou.
Você, sabe. Você, sabe.
E, mais uma vez,
olha com desconfiança.
Finda o dia.
É hora da passagem - luz e treva.
Dorme, em paz, Hiroshima.
Só não peço que te esqueça.

(Francisco Barros)