domingo, 27 de outubro de 2013

Gaiman: Oceano Dentro do Balde



É certo que o escritor Neil Gaiman tem uma legião de fãs, pessoas que conhecem o seu trabalho, especialmente, como o criador da aclamada série de quadrinhos Sandman. O talento o levou a expandir seus horizontes artísticos. Assim, desembarcou na ficção adulta e infantojuvenil. Recebeu diversos prêmios e suas obras foram adaptadas para filmes, séries de TV e até óperas.

Por tudo isso, é natural a grande expectativa que se criou em torno do seu mais recente romance “O Oceano no Fim do Caminho” (Ed. Intrínseca, 205 Págs.). Ele não decepcionou. Ou seja, não fugiu ao seu estilo. A história é densa. Embora o universo retratado seja reminiscências de criança. O enredo lembra um conto infantil gótico, estranho, assustador, sombrio.

Ao remexer o passado, o personagem principal (um homem de meia idade) depara-se com o “reflexo tremido na lagoa da lembrança”. É esta lagoa, que ele revisita depois de uma ausência de 40 anos, que a sua amiga de infância chamava de “oceano”.  O reencontro com o passado aviva na sua memória imagens há muito adormecidas.

O leitor é como que levado a ouvir o “eco dos sonhos” do narrador da história. Só que esses “sonhos” mais se assemelham a pesadelos. Esse mundo infantil é povoado por pássaros vorazes, com dentes afiados, que se alimentam de “lona apodrecida”. São abutres que voam em círculos e atuam como “faxineiros da natureza”.

Velas bruxuleantes, aves famintas, céu cinzento, orquídeas estranhas, compõem o cenário do romance. O autor faz referências diretas  à obra “Alice no País das Maravilhas”. As duas narrativas bebem na mesma fonte: o estranhamento do mundo, como se fosse possível  cruzar um portal e penetrar “terras além do mundo conhecido”.

O mundo infantil de Gaiman está longe de ser lúdico. É claustrofóbico, povoado por monstros assustadores e dominado pela presença da morte. O seu “oceano” cabe num balde. A misteriosa amiga do narrador (a garotinha Lettie Hempstock) era “feita de lençóis de seda” e de uma “miríade de chamas de velas”.

Numa certa altura do romance, o narrador, alter-ego de Gaiman, confessa que não tem saudade da infância. Dá, perfeitamente, para entender porque, embora diga que sente falta “da forma como eu encontrava prazer nas coisas pequenas”. Ele poderia completar: quando era possível colocar, usando apenas a imaginação, um oceano dentro de um balde.

Ficha Técnica
Título: O Oceano no Fim do Caminho

Autor: Neil Gaiman
Gênero: Romance
Editora: Intrínseca
Páginas: 208
Ano: 2013

(Francisco Barros)

Gaiman: Oceano Dentro do Balde



É certo que o escritor Neil Gaiman tem uma legião de fãs, pessoas que conhecem o seu trabalho, especialmente, como o criador da aclamada série de quadrinhos Sandman. O talento o levou a expandir seus horizontes artísticos. Assim, desembarcou na ficção adulta e infantojuvenil. Recebeu diversos prêmios e suas obras foram adaptadas para filmes, séries de TV e até óperas.

Por tudo isso, é natural a grande expectativa que se criou em torno do seu mais recente romance “O Oceano no Fim do Caminho” (Ed. Intrínseca, 205 Págs.). Ele não decepcionou. Ou seja, não fugiu ao seu estilo. A história é densa. Embora o universo retratado seja reminiscências de criança. O enredo lembra um conto infantil gótico, estranho, assustador, sombrio.

Ao remexer o passado, o personagem principal (um homem de meia idade) depara-se com o “reflexo tremido na lagoa da lembrança”. É esta lagoa, que ele revisita depois de uma ausência de 40 anos, que a sua amiga de infância chamava de “oceano”.  O reencontro com o passado aviva na sua memória imagens há muito adormecidas.

O leitor é como que levado a ouvir o “eco dos sonhos” do narrador da história. Só que esses “sonhos” mais se assemelham a pesadelos. Esse mundo infantil é povoado por pássaros vorazes, com dentes afiados, que se alimentam de “lona apodrecida”. São abutres que voam em círculos e atuam como “faxineiros da natureza”.

Velas bruxuleantes, aves famintas, céu cinzento, orquídeas estranhas, compõem o cenário do romance. O autor faz referências diretas  à obra “Alice no País das Maravilhas”. As duas narrativas bebem na mesma fonte: o estranhamento do mundo, como se fosse possível  cruzar um portal e penetrar “terras além do mundo conhecido”.

O mundo infantil de Gaiman está longe de ser lúdico. É claustrofóbico, povoado por monstros assustadores e dominado pela presença da morte. O seu “oceano” cabe num balde. A misteriosa amiga do narrador (a garotinha Lettie Hempstock) era “feita de lençóis de seda” e de uma “miríade de chamas de velas”.

Numa certa altura do romance, o narrador, alter-ego de Gaiman, confessa que não tem saudade da infância. Dá, perfeitamente, para entender porque, embora diga que sente falta “da forma como eu encontrava prazer nas coisas pequenas”. Ele poderia completar: quando era possível colocar, usando apenas a imaginação, um oceano dentro de um balde.

Ficha Técnica
Título: O Oceano no Fim do Caminho

Autor: Neil Gaiman
Gênero: Romance
Editora: Intrínseca
Páginas: 208
Ano: 2013

(Francisco Barros)

Canção para Cortázar


Frases mastigadas,
compassadas,
vagueiam velozes
pelo céu da boca.

Exalam aromas,
especiarias,
no interstício
das estações.

Acariciam a seda
e a melancolia
e reverenciam
sombras e luzes.

Afogadas
em saudades
dissolvem-se
na terra porosa.

Emergem orvalhadas,
florescem efusivas,
catárticas, em métricas
proporções.

Pássaros em fogo,
dançam e voam
no devaneio
da eterna magia.

(Francisco Barros)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O Mitômano e a Guerra Injustificável

Bob Drogin
   
Acabo de fechar a última página de um livro extraordinário “Curveball – Espionagem, Intrigas e as Informações que Provocaram a Guerra”, do premiado jornalista Bob Drogin, que cobre assuntos de segurança nacional e serviço secreto para o Los Angeles Times. O livro narra em detalhes a impressionante história de um refugiado iraquiano que em 1999 pediu asilo político na Alemanha. A obra é jornalismo investigativo de primeira linha.

Curveball é o codinome dado ao desertor iraquiano, um jovem engenheiro químico. Ele informa aos agentes secretos alemães, como moeda de troca para receber asilo político nesse país, que o regime de Sadam Hussein estava desenvolvendo armas de destruição em massa, utilizando unidades móveis, com agentes biológicos. Com base no depoimento desta fonte os EUA invadiram o Iraque no ano de 2003.

Só havia um problema: a fonte era um farsante. Mas, isso passou a ser um mero detalhe. Sobretudo devido a histeria criada após os atentados de 11 de Setembro nos EUA. O caso foi classificado por Fredrerick Forsyth, autor de O Dia do Chacal, como “o maior fiasco da história do serviço secreto de inteligência em 500 anos”. Escrito em ritmo de thriller o livro disseca uma “sequência de trágicos erros de entendimento e julgamento”.


Esse episódio, crucial da recente história contemporânea, colocou em total descrédito o governo de George W. Bush. O relato  de Bob Drogin desnuda a grosseira manipulação política conduzida pelos serviços de inteligência, especialmente, a CIA (agência central de informações, pela iniciais em inglês). Depois de ler o livro, dá vontade de oferecer o troféu Pinóquio para Bush, Colin Powel e para o então diretor da CIA, George Tenet.

Ficha Técnica
Título: Curveball
Autor: Bob Drogin
Gênero: Reportagem
Editora: Novo Conceito
Páginas: 272
Ano: 2008

domingo, 6 de outubro de 2013

Andaluzia


Céu andaluz
solo espesso

a bailarina cadencia
os pés no tablado

o bardo, atento, registra
o movimento.

Calcinada geografia,
madrugadas púrpuras;

O rio Guadalquivir, sonâmbulo,
flui sereno pelas montanhas

Serpenteia suas artérias
em ruminantes encostas

Pátria surreal
de noites febris.

Solo de feridas abertas
na memória trágica

Tentaram ceifar os ideiais
do teu povo mestiço

Mães velaram filhos
sob o manto das trevas

(o choro adubou, como húmus,
o triste solo enluarado)

silenciou a catedral gótica
congelou tempo e vento

até que, novamente, a luz
brilhou, as estrelas resplandeceram

e voltou a tingir  de vermelho
o revigorado verão andaluz.



(Francisco Barros)


sábado, 5 de outubro de 2013

Astronauta




No céu da tua boca
centelhas e fagulhas
guiam minha língua
por uma pungente
geografia outonal

No céu da tua boca
as nuvens rubras
suspensas no espaço
drenam meu sangue
por despenhadeiros

No céu da tua boca
minha língua vagueia
tonta, ébria, cambaleia
e para assustada
na fenda do universo

No céu da tua boca
(amplidão abissal)
minha língua passeia, louca,
pelas entranhas perdidas
da estação espacial

No céu da tua boca
(sigo uma  órbita volátil)
a língua revigorada, ondeia,
e me conduz, sonâmbulo,
ao infinito espaço sideral.

(Francisco Barros)