domingo, 29 de junho de 2008

Cheiro de Álcool


Estava em Caçu, no Sudoeste goiano. Era uma quinta-feira e queria retornar a Goiânia. Consultei o relógio: cinco minutos para 17 horas. Teria que percorrer, sozinho ao volante, 320 Km. A minha condução era um Palio 1.0, alugado.

Assim como fiz na ida, passaria por Rio Verde. O percurso entre as duas cidades é feito, considerando as precárias condições da rodovia, em pouco mais de uma hora. E são apenas 90 quilômetros. No trecho próximo a Aparecida do Rio Doce os buracos, numa extensão próxima a 10 Km, tomaram conta da estrada.

Avaliei a situação. Estava, realmente, disposto a dormir em casa. Não devia perder tempo. O medidor de combustível do automóvel marcava pouco menos de 1/4 de tanque. "O veículo é econômico, dá para chegar em Rio Verde e lá eu abasteço", imaginei.

Peguei a estrada. Cruzei, em sentido contrário, os cinco quilômetros de eucaliptos que margeiam a GO-206 que dá acesso a Caçu. Cheguei à BR-364. Venci os 20 Km até o trevo da GO-174 em pouco menos de 20 minutos. Iniciei a paciente travessia dos buracos. Como já sabia, o velocímetro do carro não passou dos 30 Km.

Comecei a observar o medidor de combustível. O ponteiro tinha baixado um pouco. Fazia calor. "Nem pensar em ligar o ar-condicionado do carro", disse a mim mesmo. Era necessário poupar combustível. Comecei a suar com os vidros levantados. A poeira era intensa. Demorou, mas saí do trecho mais crítico da estrada. Os buracos ficaram para trás.

Agora, sim, seria possível trafegar a 100 Km/h. No horizonte, o sol dava sinais de que iria se recolher. A viagem prosseguia tranquila. Só restavam cerca de 50 Km para chegar a Rio Verde. Olhei novamente o medidor de combustível. Havia baixado bastante. Entrou na reserva.

"Será que consigo chegar a Rio Verde com este combustível?", comecei a questionar. De um lado e de outro da rodovia só avistava grandes plantações: soja, algodão, milho, sorgo, cana, girassol, entre outras culturas. Nenhum posto de gasolina, nenhuma parada confiável.

Mas tinha que prosseguir o meu percurso. A essa altura, eu não desgrudava o olho do marcador de combustível. O ponteiro insistia em baixar. A preocupação aumentou. Logo seria noite. "Se o combustível acabar aqui, no meio do nada, a quem vou recorrer?", era a dúvida que me assaltava. Única alternativa: esperar um carro e pedir ajuda.

É claro que existiam riscos. Sozinho a coisa complicava. Lembrei das manchetes de TV e jornais da véspera: "Quadrilha de assaltantes presa em Caçu". E mais: "Polícia Federal desbarata na região quadrilha que traficava drogas". E havia um detalhe complicador na situação: sinal de celular não pega na estrada.

Tinha que continuar rodando até onde permitisse o combustível. A rodovia deixou de ser plana. Começou um sobe e desce de morros. "Para economizar, vou aproveitar as descidas e colocar o carro em ponto-morto", raciocinei. Foi o que fiz. Mesmo assim, o ponteiro baixava. Estava muito próximo do zero.

De repente, avistei Rio Verde. Como estava no topo de uma ladeira, calculei que a cidade deveria estar a, no mínimo, 20 qulômetros. "Será que tenho combustível suficiente?", era a dúvida que não queria calar. Pensei em parar o carro e pedir ajuda.

Mas deparei-me com um novo morro pela frente. Tinha que acelerar o carro para subir. O que restava de combustível estava prestes a acabar. Mesmo assim, subi o morro. Agora tinha pela frente uma descida generosa. Cerca de quatro quilômetros. Hora de recolocar o carro em ponto-morto.

Avistei, com grande satisfação, novos indícios da cidade. Logo à frente uma placa da indústria Kowalski. Bom sinal. Rio Verde se aproximava, de fato. O contador de combustível próximo a zero. Cheguei no anel viário que dá acesso à cidade. Parei o carro. Liguei o pisca-alerta. Estava disposto a seguir à pé para procurar um posto de combustível.

Por pura coincidência, avistei a 200 metros uma placa indicando o que eu mais precisava naquele momento: combustível. Liguei o carro. Ele foi como que deslizando até o posto. O frentista que me atendeu olhou para o marcador e concluiu: "Hi, doutor, esse carro estava andando só com o cheiro do álcool".

A Jangada e o Mar


Estive em Fortaleza na semana passada. Revivi paisagens belíssimas. A cidade cresce num ritmo frenético. Nesse aspecto, é bem diferente daquela que conheci há 18 anos atrás. "O mercado imobiliário está aquecido", revelam as manchetes de jornal. E, de fato, está. A cada esquina outdoors anunciam um novo condomínio de luxo.

Mas a cidade não é só beleza. É bom que se diga, antes que me acusem de difundir uma visão panglossiana, como se vivéssemos no melhor dos mundos possíveis. Fortaleza possui grandes contrastes sociais. Muitos bolsões de pobreza e algumas pequenas ilhas de prosperidade. Situação, de resto, comum às metrópoles brasileiras.

Apesar dessa situação, a cidade encanta turistas e visitantes. A natureza é generosa. O mar verde ensaia um extenso degradê. Céu e mar tingem a paisagem com cores fortes, marcantes. A brisa que sopra, constante, deixa a temperatura mais amena.O ar que você respira é ameno, tépido ar de maresia.

Confesso que fiquei particularmente encantado com uma cena típica de cartão-postal. Do alto do quarto de hotel onde estava hospedado divisei uma pequena jangada branca. Próxima à linha do horizonte, ela singrava o mar, tendo o céu azul e o sol como testemunhas. Era por volta das 16 horas.

Impossível não guardar essa visão na memória. Daí a pouco o sol começou a se por. Fui brindado com a visão de uma imensa bola de fogo alaranjada que se recolhia diligentemente. Era como se todo o esplender da natureza estivesse congelado naquele momento, num quadro singular. O que fazer diante de tanta beleza? Apenas duas coisas: reverenciar e agradecer.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Crônica do Avião


Cheguei ao aeroporto, em Goiânia, ligeiramente atrasado. Estavam chamando para o embarque. Corri para fazer o check-in. Etiquetaram as bagagens. Passei pelo detector de metais. A fila já estava formada para entrar na aeronave. Embarquei no avião. Procurei a minha poltrona: 12-D. Coloquei as bolsas de mão na bagageiro. Ufa! Sentei para descansar. Dei-me, ainda, ao trabalho de lembrar de desligar o aparelho celular.

Os passageiros, mais atrasados que eu, também procuravam se acomodar em suas poltronas. Ou melhor, tentavam. Aconteceu um intenso troca-troca de assentos. As comissárias de bordo, solícitas, cuidavam para que tudo se ajeitasse da melhor forma possível. O objetivo era zelar para que o vôo saísse rigorosamente no horário marcado.

Mas, de repente, algo inesperado. Um telefone celular toca. Trinnnnnn!Os passageiros, já sentados e com seus cintos afivelados, prontos para decolar, se entreolham. Pareciam dizer: "Não é o meu celular que está tocando". Ao mesmo tempo, queriam encontrar o babaca que deixou o celular ligado. O toque insistente não para: Trinnnnn!

A comissária de bordo interroga: "De quem é o aparelho que está tocando?". Imediatamente respondo: "Não é o meu". Do meu lado, alguém sugere: "O toque está tão próximo, deve ser de alguém que esqueceu ligado na bolsa do bagageiro". Um senhor grisalho levanta-se. Abre o compartimento. Verifica a bolsa e conclui triunfante: "Não é o meu". Enquanto isso, o maldito aparelho: Trinnnnn!

Inicia-se a algazarra. A impaciência toma conta dos passageiros. A aeronave não pode decolar com um celular ligado. Todos correm perigo. Trinnnnn! Ele insiste em se manifestar. A impaciência aumenta.

A chefe de gabine anuncia pelo serviço de som: "Por favor,senhores passageiros: precisamos identificar o dono do celular para que o aparelho seja desligado. O avião só poderá decolar após esta providência". Olhares acusatórios são trocados, como se dissessem: "Você aí do lado não vai desligar essa geringonça?".

Trinnnn! O barulho está muito próximo. "Só se alguém deixou cair debaixo da poltrona", sugere o senhor da poltrona 11-A. Os passageiros, agoniados, se abaixam para localizar o celular. Trinnnnn! Ele volta a insistir. E nada de localizá-lo.

De repente, me dou conta: "Será que é o meu?", penso com os meus botões. Lembro, perfeitamente, de tê-lo desligado. Ainda asssim, para desencargo de consciência, apalpo o bolso. Só então descubro, constrangido, querendo sumir da poltrona, que o Trinnnnn! é do meu aparelho.

Com um toque rápido no botão vermelho do celular devolvi a paz e o silêncio ao vôo 3957 com destino a São Paulo. Assim, cheio de vergonha, descobri o mistério: o Trinnnn era o despertador, que é ativado mesmo com o aparelho desligado. Vivendo e aprendendo.

Em tempo: esta crônica foi escrita hoje, entre 7h05 e 7h35, dentro do avião, no trajeto entre Goiânia e São Paulo.