segunda-feira, 15 de abril de 2013

O Regresso de Ulisses e a Imortalidade




Os ocidentais, somos, em grande parte, produto da civilização helênica. Essa filiação espiritual justifica o interesse pela fabulosa cultura grega com suas lendas e mitos. O conhecimento acerca desses temas nos chegou através dos filósofos da pré-história e, sobretudo, pelas narrações de Homero e Hesíodo (poemas épicos e fábulas), por volta de 750 a.C. Interpretar tais histórias não é tarefa fácil, sobretudo porque elas foram contadas e recontadas. E como se sabe, “quem conta um conto aumenta um ponto”.

Não me furtarei à tentação de, também, contar o meu conto. É sobre o regresso de Ulisses a Ítaca, após a guerra contra os troianos. Dentre as muitas espetaculares aventuras desse guerreiro à frente de seus companheiros, uma é especialmente interessante. Navegando em mares bravios, o herói e seus homens são vítimas de uma forte tempestade com raios e trovões. O navio acabou totalmente despedaçado. Com os restos da embarcação, Ulissses fez uma jangada que o levou à Ilha de Calipso.

Calipso era uma divindade feminina, ninfa do mar, que compartilhava diversos atributos dos deuses. Ela acolheu Ulisses, recebendo-o com muita hospitalidade. Carente, a Ninfa não resistiu aos encantos do aventureiro. Apaixonou-se perdidamente por ele. Para seduzi-lo chegou, inclusive, a prometer-lhe a imortalidade, desde que ficasse para sempre na ilha. A tentação era grande, mas o herói recusou a “euforia da eternidade”. Ao recusar a proposta, Ulisses optou por sua identidade, esquivando-se do engodo da atemporalidade.

Preferiu continuar “dono do seu destino, capitão da sua alma”. Significava cumprir a sua realização mortal: regressar para o seu reino em Ítaca e para os braços de sua amada – Penélope. Se outra fosse a sua escolha, as suas aventuras teriam sido em vão, uma vez que perderia a sua identidade, transformando-se numa efígie perene. Embora tentadora, a proposta da ninfa implicaria em negar a sua condição humana. Toda a sua Odisséia (cantada por Homero) não passaria de uma vertigem, uma incompletude.

Calipso resistiu o quanto pode à disposição de Ulisses de regressar à pátria, para a esposa e o filho. Para resolver o impasse, foi necessária a interveniência do deus Júpiter. Foi ele quem ordenou que o viajante deveria partir. Ulisses, recolhido a uma gruta, recebeu de Mercúrio a mensagem, que foi assim descrita por Homero:

Verdejante, viçosa trepadeira
Forrava os muros da espaçosa gruta.
Em torno, quatro fontes cristalinas
Derramavam na terra a pura linfa,
Que corria em regato sinuosos,
Entre a verdura tenra, que violetas
Purpúreas enfeitavam. Era um cenário
Que qualquer deus veria com deleite.


Calipso resistiu o quanto pode às ordens de Júpiter, mas acabou cedendo. Permitiu que Ulisses construísse uma jangada, deu-lhe provisões e vento favorável. Assim, o viajante lançou-se novamente aos mares para cumprir o seu itinerário e alcançar o seu objetivo previamente traçado: regressar à sua querida Ítaca e aos braços de sua amada Penélope.
O escritor e poeta mineiro, radicado no Rio de Janeiro, Affonso Romano de Sant´Anna escreveu belos versos sobre a saga do nosso herói, no poema “Ulisses, o Retorno”. São escritos como esse que asseguram a chama viva desse mito épico que povoa o imaginário dos povos.

Pensei em citar trechos, mas não resisti à tentação de reproduzir, na íntegra, o poema de Sant´Anna. Confira:

“Como voltar
depois de Itaca
das sereias
dos cíclopes
de tanto assombro
de tanto sangue na espada?
Como voltar
se aquele que partiu
partiu-se
e voltará os fragmentos do excesso?
Não há retorno
Há outra viagem
diariamente urdida
dentro da viagem
antiga.
Embora o caminho
da volta
seja percorrido
ninguém retorna
apenas volta a viajar
no espaço anterior
estranhamente familiar.
Como se o regresso
fosse acréscimo
e o viajante descobrisse
que é atrás
que está a fonte
e na alvorada
o horizonte
não há retorno.
Há o contorno
do próprio eixo
o tempestuoso
périplo do ego
um diálogo de ecos
como quem
tenta encaixar
diferentes rostos
no mesmo espelho.
Por isto, o retorno
inelutável
é perigoso
exige mais perícia
que na partida
mais destreza
que nos conflitos
pois o risco
é naufragar
exatamente
quando chegar ao porto.”

Um comentário:

Wallter disse...

Muito bom 👌👏👏❣️