domingo, 30 de março de 2014

Navegando pelo Mississipi



Ora engraçado, ora realista, ora fantástico, ora dramático. Assim são as aventuras do jovem Huckleberry Finn, do eminente escritor Mark Twain, pseudônimo de Samuel Langhorn Clemens. Twain nasceu no Missouri, em 1835. Foi criado à beira do rio Mississipi. Tornou-se timoneiro de barco a vapor, tipógrafo, soldado e jornalista, antes de tornar-se escritor de sucesso..

As suas experiências navegando pelo Mississipi serviram de inspiração  para seus romances mais conhecidos - Tom Sawyer e As Aventuras de Huckleberry Finn. Este último é considerada a sua obra-prima. O autor trabalhou sete anos na composição do romance. Ernest Hemingway chegou a afirmar que o livro foi a base de "toda a literatura americana moderna". E sentenciou: "Não havia nada antes. Não houve nada tão bom desde então".

Escrito em 1885, a temática do livro tem uma aparência infanto-juvenil. Mas ele é muito mais do que isso. Trata-se de um retrato vivo do interior dos EUA na segunda metade do século XIX. Os personagens refletem o mundo rural com as suas gírias, superstições e o rico folclore ribeirinho. As aventuras traçam também um painel da sociedade da época. Nessa linha, reflete o anseio de liberdade, presente tanto em Huck, quanto no escravo fugido Jim.

As aventuras descritas por Huck são cheias de contrastes. Em alguns momentos tem-se a impressão que as histórias são ingênuas, uma vez que são narradas pela ótica do garoto. Mero engano. Antes, são revelações da perda da inocência, ainda que as narrativas sigam uma linha da moral convencional. Por fim, expõem a opressão social, a hipocrisia, a falsidade e a crueldade das relações sociais.

Ficha Técnica
Título: As Aventuras de Huckleberry Finn
Autor: Mark Twain
Gênero: Romance
Editora: L&PM Pocket
Páginas: 320
Ano: 2011

quarta-feira, 26 de março de 2014

Ele é Tarja-Preta


Para quem gosta de humor, é um prato cheio. Para quem gosta de um texto redondo, bem elaborado, é um prato cheio. Para quem gosta de frases curtas, objetivas, é um prato cheio.  Para quem gosta de criatividade, também, é um prato cheio.

Talvez, em função desses ingredientes, fartei-me na leitura de "Minhas Mulheres e Meus Homens", do impagável Mário Prata. Tá bom, tá bom, eu vou entregar. Ele é aquele cara autor da novela "Estúpido Cupido". Se tiver mais de 45 anos, você sabe do que (ou de quem) eu tô falando. Mas, verdade seja dita (e bendita), o Prata é muito mais que um autorzinho de novelinha pra TV. Isso temos que convir.

O cara é um puta teatrólogo, um puta cronista, um puta jornalista, um puta escritor (e ainda é pai do Antônio e da Maria). É muita putaria para um Prata só? E o cara ainda é o que? Desculpe-me, mas nessa armadilha eu não vou cair. Nunquinha que vou dizer que ele é um excelente escritor porque "é Prata da casa". Nascido em Uberaba e criado em Lins.

Ah! Isso eu não digo. Nem morto. Mas falando sério (como se isso fosse possível em se tratando de Mário Prata) você abre o livro do cara e simplesmente não consegue parar de ler. Eu não sei porque cargas d'água li o livro de trás pra frente. Só pode ser coisa de gente doida.

Mas acho que foi só pra contrariar - o autor. É que ele diz, lá no início da obra, que não ia fazer um "Prefácio", mas um "Pós-fácio". E por que? Porque o livro estava sendo relançado e a jornalista Marta Góes (por acaso, mulher dele - a época - e futura-ex), já havia feito o Prefácio em 1988 (época da 1a. edição), que era em ordem alfabética.

Então, nesta nova edição de 2011 (hoje, já não tão nova assim), o Mário Prata resolveu mudar e colocar os textos na ordem cronológica. Eu, leitor do cara, fiquei emputecido. Em assim sendo, o que fiz? Resolvi radicalizar a minha leitura: li o livro de trás pra frente. Aí cheguei a uma conclusão definitiva: o cara (Prata) é doido. E varrido.

Felizmente (ou infelizmente, não sei bem), nós todos (seus leitores) jogamos no mesmo time do Prata. Ou seja, quem admira doido é o que? Será que é preciso responder? Antes de dizer mais alguma coisa, me dá um tempinho aí. Vou ali no meu quarto tomar o meu Tarja-Preta. Fui!

Ficha Técnica
Título: Minhas Mulheres e Meus Homens
Autor: Mário Prata
Gênero: Crônicas
Editora: Planeta
Páginas: 270
Ano: 2011

domingo, 9 de março de 2014

Escrever: Uma Viagem Sem Volta



Como se dá a jornada do autor em busca da sua obra? Quais os caminhos que deve percorrer? Como é o processo de formação? O que faz para amadurecer o processo criativo? Quais os referenciais teóricos? O que o move na direção desse ofício? Enfim, o que leva alguém a ser escritor?

Grande parte das respostas a estas indagações você, leitor curioso, poderá encontrar no livro " O Espírito da Prosa - Uma Autobiografia Literária", do escritor e romancista Cristovão Tezza. O autor é considerado um dos maiores prosadores brasileiros da atualidade. Ganhou diversos prêmios literários importantes e sua obra foi traduzida para diversos países.

Tudo isso nos dá a certeza de que estamos diante de um escritor maduro e calejado. É com esse backgraund que se propõe a fazer revelações e reflexões sobre o seu ofício. E logo na primeira linha faz uma advertência ao leitor: "Este não é um trabalho acadêmico". Isto porque durante mais de 20 anos Tezza foi professor universitário. Para lembrar a velha máxima do ex-ministro Eduardo Portela: esteve professor universitário. Ele nunca abdicou da sua essência: escritor.
Cristovão Tezza
Entre as suas confissões, Tezza faz uma auto-crítica sobre a sua iniciação literária que, segundo afirma, estava contaminada por uma visão de mundo simplista, imatura, típica da geração dos anos 60 e 70 do século passado. Em tom irônico, observa: "por uma inexplicável conspiração da realidade contra mim, acabava por escrever textos ideologicamente primários, literariamente imaturos e tecnicamente sofríveis".

E por que isso acontecia? Faltava, no seu entendimento, uma visão de mundo mais consistente e mais consciente. A compreensão de que a "literatura é um fato da cultura humana, um objeto contingente, ao sabor da história e dos valores de seu tempo". Fora disso, a escrita, o texto literário, não se sustenta em pé. É ôco e vazio.

No processo de amadurecimento, em diversos momentos, o escritor "se vê às vezes com um amontoado de palavras que parecem se descolar, aqui e ali, de suas referências, como animais indóceis, e é preciso domesticá-los". Tezza assim como empenhou-se para domar o verbo, desprendeu igual esforço para não se afastar da realidade. Foi por isso que resistiu aos modismos acadêmicos que propugnavam o "fim do romance burguês" e a queda da bastilha do realismo.

O autor, nesse particular, é peremptório na defesa do realismo. Para ele este é um conceito-chave da sua vida literária. Tezza, inclusive, chega a reconhecer a existência de um "medo subterrâneo do realismo" por parte de pensadores "pós-modernos" surgidos no grande movimento contra-cultural dos míticos anos 1960, época do "é proibido proibir".

A influência desses grupos, na opinião de Tezza, só agora começa a se esgotar. Mas eles deixaram um grande legado negativo para a prosa que "desaprendeu-se, e só 30 anos depois começaria enfim a reaprender-se, sob as coordenadas de um novo tempo". Para o autor "um escritor ausente de sua frase é a derrota do texto".

Talvez por isso, no autor maduro cristalizou-se a certeza de que "o texto não está pairando numa nuvem do cérebro que só você conhece, mas desenhado concretamente sobre o papel, e é só a esse desenho, cada ponto e cada vírgula, que o leitor tem acesso". Uma outra certeza também revelou-se cristalina: "a ficção, por si só, apara as arestas do caos, põe nele uma moldura e desenha os limites do mundo".

Traçado esse arcabouço, Tezza enche-se de convicção para sublinhar a real motivação do escritor: "escrevemos porque queremos chegar aos outros". E, assim, reconhece que a escrita possui um poder transformador, pois "não se escreve impunemente". Ao reconhecer que o escritor é, antes de tudo, um inadequado, Tezza expõe-se: "pessoas felizes não escrevem". E ele tem uma explicação: "Há um milhão de coisas mais interessantes à disposição dos felizes".

Á guisa de conclusão, o autor nos deixa com uma batata quente nas mãos quando questiona: " por que diabos iriam eles largar os prazeres tranquilos da felicidade pela incerta e terrível solidão da escrita que, quando de fato assumida, é uma viagem sem volta?".

Ficha Técnica:
Título: "O Espírito da Prosa - Uma Autobiografia Literária"
Autor: Cristovão Tezza
Gênero: Autobiografia
Editora: Record
Páginas: 222
Ano: 2010