domingo, 9 de março de 2014

Escrever: Uma Viagem Sem Volta



Como se dá a jornada do autor em busca da sua obra? Quais os caminhos que deve percorrer? Como é o processo de formação? O que faz para amadurecer o processo criativo? Quais os referenciais teóricos? O que o move na direção desse ofício? Enfim, o que leva alguém a ser escritor?

Grande parte das respostas a estas indagações você, leitor curioso, poderá encontrar no livro " O Espírito da Prosa - Uma Autobiografia Literária", do escritor e romancista Cristovão Tezza. O autor é considerado um dos maiores prosadores brasileiros da atualidade. Ganhou diversos prêmios literários importantes e sua obra foi traduzida para diversos países.

Tudo isso nos dá a certeza de que estamos diante de um escritor maduro e calejado. É com esse backgraund que se propõe a fazer revelações e reflexões sobre o seu ofício. E logo na primeira linha faz uma advertência ao leitor: "Este não é um trabalho acadêmico". Isto porque durante mais de 20 anos Tezza foi professor universitário. Para lembrar a velha máxima do ex-ministro Eduardo Portela: esteve professor universitário. Ele nunca abdicou da sua essência: escritor.
Cristovão Tezza
Entre as suas confissões, Tezza faz uma auto-crítica sobre a sua iniciação literária que, segundo afirma, estava contaminada por uma visão de mundo simplista, imatura, típica da geração dos anos 60 e 70 do século passado. Em tom irônico, observa: "por uma inexplicável conspiração da realidade contra mim, acabava por escrever textos ideologicamente primários, literariamente imaturos e tecnicamente sofríveis".

E por que isso acontecia? Faltava, no seu entendimento, uma visão de mundo mais consistente e mais consciente. A compreensão de que a "literatura é um fato da cultura humana, um objeto contingente, ao sabor da história e dos valores de seu tempo". Fora disso, a escrita, o texto literário, não se sustenta em pé. É ôco e vazio.

No processo de amadurecimento, em diversos momentos, o escritor "se vê às vezes com um amontoado de palavras que parecem se descolar, aqui e ali, de suas referências, como animais indóceis, e é preciso domesticá-los". Tezza assim como empenhou-se para domar o verbo, desprendeu igual esforço para não se afastar da realidade. Foi por isso que resistiu aos modismos acadêmicos que propugnavam o "fim do romance burguês" e a queda da bastilha do realismo.

O autor, nesse particular, é peremptório na defesa do realismo. Para ele este é um conceito-chave da sua vida literária. Tezza, inclusive, chega a reconhecer a existência de um "medo subterrâneo do realismo" por parte de pensadores "pós-modernos" surgidos no grande movimento contra-cultural dos míticos anos 1960, época do "é proibido proibir".

A influência desses grupos, na opinião de Tezza, só agora começa a se esgotar. Mas eles deixaram um grande legado negativo para a prosa que "desaprendeu-se, e só 30 anos depois começaria enfim a reaprender-se, sob as coordenadas de um novo tempo". Para o autor "um escritor ausente de sua frase é a derrota do texto".

Talvez por isso, no autor maduro cristalizou-se a certeza de que "o texto não está pairando numa nuvem do cérebro que só você conhece, mas desenhado concretamente sobre o papel, e é só a esse desenho, cada ponto e cada vírgula, que o leitor tem acesso". Uma outra certeza também revelou-se cristalina: "a ficção, por si só, apara as arestas do caos, põe nele uma moldura e desenha os limites do mundo".

Traçado esse arcabouço, Tezza enche-se de convicção para sublinhar a real motivação do escritor: "escrevemos porque queremos chegar aos outros". E, assim, reconhece que a escrita possui um poder transformador, pois "não se escreve impunemente". Ao reconhecer que o escritor é, antes de tudo, um inadequado, Tezza expõe-se: "pessoas felizes não escrevem". E ele tem uma explicação: "Há um milhão de coisas mais interessantes à disposição dos felizes".

Á guisa de conclusão, o autor nos deixa com uma batata quente nas mãos quando questiona: " por que diabos iriam eles largar os prazeres tranquilos da felicidade pela incerta e terrível solidão da escrita que, quando de fato assumida, é uma viagem sem volta?".

Ficha Técnica:
Título: "O Espírito da Prosa - Uma Autobiografia Literária"
Autor: Cristovão Tezza
Gênero: Autobiografia
Editora: Record
Páginas: 222
Ano: 2010


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