domingo, 20 de abril de 2014

Morangos Frescos e Vermelhos


Tenho um volume antigo do Círculo do Livro (quem ainda se lembra dele?) presumo que de 1984. Havia lido a obra há muitos anos. No final da década de 80 - talvez. A memória guardou pouco desse livro. Reteve o principal: linguagem poética, renovadora, poderosa. Poderia ser definida assim: uma voz de uma geração desesperada, sufocada, ansiosa por liberdade, alegria, beleza.

Com esses fiapos do tempo abri (e reli) "Morangos Mofados", do jornalista e escritor Caio Fernando Abreu, lançado em 1982.  O livro foi considerado, por boa parte da crítica, o melhor lançamento em prosa daquele ano. Faleceu em 1996, vítima de Aids. Mas a sua obra permaneceu. Hoje, continua muito citado, mas, infelizmente, pouco lido. Não deveria ser assim.

Em seu "Morangos Mofados" Caio tece narrativas curtas (contos) para relatar o "grito preso no ar" da juventude dos anos 70 e 80. Os seus personagens situam-se na faixa dos 20 a 30 anos. São garotos e garotas fissurados em sexo, drogas e, claro, música. A famosa trilogia "sex, drugs and rock & roll". Viviam situações-limite.

O ambiente claustrofóbico é comum a todos os contos. Mas, por mais desespero que demonstrem, todos batalham pela vida. O ar rarefeito que aquela geração experimentou não conseguiu sufocá-la. Pouco importa que isso tenha redundado na busca frenética por válvulas de escape. A música, as drogas, representam justamente isso. É como se dissessem: "Eu não quero esta realidade. Dou-me ao direito de criar outra".


O conto "Caixinha de música" possui todos esses elementos poéticos/dramáticos. Começa assim: " Como se estivesse com a cabeça inteira dentro d'água e alguém começasse a tocar realejo na beira do rio. Pequenas bolhas de som explodiam sem choque contra seus ouvidos, nota após nota, até formar-se também por dentro aquela melodia tão remota e lenta que parecia vir não mais da margem, mas do fundo".


Vem lá do "eu profundo" a angústia de Caio Fernando Abreu. Ele corta a própria carne para produzir a sua literatura. Fala da sua condição homossexual sem incorrer em simplismos. Denuncia, livre do engajamento militante (pois resvalaria no esquematismo) a exclusão das minorias - em especial, dos gays. Ao contrapor o amor e a violência desnuda uma sociedade arcaica, moralista e opressiva.

O conto que dá título ao livro "Morangos Mofados" é composto como uma peça musical. Tudo a ver pois é uma referência direta à famosa canção de Lennon e McCartney (Strawberry field forever). À noite, o personagem vomita pedaços de morangos verdes mofados. Mas, amanhece um novo dia. Ele sobe ao terraço. Coloca-se diante de um dilema: pular e cometer suicídio ou plantar morangos frescos e vermelhos no canteiro. Sim: opta pela segunda alternativa. A vida vence, Caio continua vivo com sua obra perene.

Ficha Técnica
Título: Morangos Mofados
Autor: Caio Fernando Abreu
Gênero: Contos
Editora: Círculo do Livro
Ano: a Editora não informa
Páginas: 174

2 comentários:

Marina Boldrini disse...

Olá Francisco,
Há um venho procurando por esse livro, esse mesmo, com essa capa. Esse homem que aparece na capa é meu pai, na época com 23 anos. Gostaria muito de presenteá-lo com esse livro mas infelizmente não o acho mais para comprar, queria saber se tem interesse em vender, ou troca-lo por uma edição mais recente.

Aguardo seu retorno,
Marina.

Miriam Galbiati disse...

Provavelmente não verá essa mensagem,mas se ainda estiver a procura tenho um exemplar igual a esse e poderia presentear você com ele