sábado, 25 de janeiro de 2014

Um Mergulho na Alma Portuguesa


Gosto de aventurar-me por autores desconhecidos, pelo menos, para mim. Por vezes, somos recompenados com gratas surpresas. Quando não, ao menos valeu a tentativa. Em matéria de leitura, quem não corre riscos priva-se do prazer de navegar por mares literários desconhecidos e deslumbrantes. A descoberta é estimulante.

Foi imbuído desse espírito que lancei-me à leitura de "As Horas Extraordinárias", do escritor e crítico português Luís Forjaz Trigueiros. Para ser sincero, fui estimulado pelas palavras do saudoso baiano Jorge Amado, que disse o seguinte sobre o autor: " Reiventou Portugal, a paisagem e os habitantes, numa série de admiráveis brochuras, esclareceu temas e personagens em artigos e e ensaios críticos, com aguda visão, sempre armado de compreensão e simpatia".

Outro que atestou as qualidades literárias de Luís Forjaz foi o acadêmico Antônio Carlos Villaça, para quem "Trigueiros escritor é a própria imagem do movimento...da vida". Sobre os seus contos, teceu o seguinte comentário: "...tecnicamente impecáveis, irretocáveis, nos transmitem esse amor à vida, esse interesse pelo humano, esse respeito do ser humano, cuja verdade ele busca".

Avalizado pelos dois mestres brasileiros, lancei-me à leitura das "crônicas da vida lisboeta". O nosso autor revela-se um esteta, seja ao descrever as paisagens naturais da cidade, seja, sobretudo, as desnudar os seus tipos psicológicos. E o faz utilizando uma linguaguem plástica, quase musical, digna dos grandes ficcionistas da língua portuguesa.

Mas Luís Forjaz não se limita ao lírico. Ele também sabe exercitar o humor, sutil e inteligente. O melhor exemplo é o conto "Desporto de Inverno". Um outro aspecto que chama atenção é que os seus personagens habitam uma Lisboa que se digladia entre a preservação histórica e a modernidade, esta que não respeita as tradições. Transitam numa sociedade que assiste ao processo acelerado de industrialização. Esse é o pano de fundo de praticamente todos os 10 contos do livro.

O choque do arcaico e do moderno é o fio condutor, o leitmotiv, da obra de Trigueiros. Inconscientemente, os personagens são impactados por essa dialética. Eles se movem sob a influência desse "fantasma" que os espreita e os persegue. Assim, o autor tece a sua teia com muita competência. Tanto que, no mesmo diapasão em que envolve os seus personagens, captura o leitor. Como um visgo.

Pode-se dizer que, ao nos convidar para passear pelas ruas de Lisboa e conhecer de perto a sua gente, Trigueiros nos envolve nos matizes e nos entretons da alma portuguesa. E esse movimento soa-nos como um fado que está sendo executado, não com música, mas com palavras. Até os silêncios são ouvidos. E dão asas à imaginação e te conduzem às ruas da velha Lisboa de antigamente.

Ficha Técnica
Título: As Horas Extraordinárias
Autor: Luís Forjaz Trigueiros
Gênero: Contos
Editora: Nova Fronteira
Páginas: 182
Ano: 1988

(Francisco Barros)

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