domingo, 26 de janeiro de 2014

A Literatura a Serviço da Verdade



A literatura deve ter compromisso com a realidade? Deve influir nos rumos dos acontecimentos históricos? Acredito que foi a resposta a estas dúvidas que estimularam os escritores Carlos Heitor Cony e Anna Lee a escreverem "O Beijo da Morte". A obra é um mistura de reportagem e ficção. Mexeu num vespeiro político. Diria mais: num trauma da história recente do Brasil.

Escrito em 2003, o livro foi peça importante para reabrir as investigações sobre as mortes dos líderes da chamada "Frente Ampla", que aglutinou no mesmo polo político Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda. Eles se uniram para combater a ditadura militar implantada no país em 1964 (este ano completa cinco décadas).

Pois bem, passados pouco mais de 10 anos desde a publicação, os resultados perseguidos pelos autores começaram a dar frutos concretos. Os casos foram reabertos. No ano passado, por exemplo, os restos mortais do ex-presidente João Goulart, que estavam na Argentina, foram trasladados para o Brasil.

Jango, como o ex-presidente era conhecido, teve os seus direitos políticos restituídos e foi recebido no Palácio do Planalto com honras de chefe de Estado. Fez-se um reparo na história, pois o seu governo constitucional foi deposto por uma quartelada que lançou o país no obscurantismo por mais de duas décadas.

Pairava no ar a suspeita de que Jango foi vítima de envenenamento quando vivia na Argentina, na cidade de Mercedes. Na época de sua morte (6 de dezembro de 1976), as autoridades constituídas não se deram ao trabalho sequer de fazer a autópsia do corpo. Foi enterrado às pressas na Argentina. Não foi permitido que regressasse ao Brasil, ainda que morto. Temia-se que o velório se tornasse um ato político.

As mortes de Jango, JK e Lacerda ocorreram num curto período de dez meses. As circunstâncias que as envolveram foram, no mínimo, suspeitas. JK foi vítima de um acidente automobilístico, Jango de ataque  cardíaco e Lacerda morreu sem diagnóstico preciso. Suspeitou-se de septicemia.

Soube-se, posteriormente, que as ditaduras militares da América do Sul (especialmente, do Brasil, Argentina, Uruguai e Chile) atuaram em estreita colaboração. Casos vieram à tona de queima de arquivo e limpeza de terreno para evitar o restabelecimento da democracia no Cone Sul. Inclusive, o ex-ministro de Salvador Allende, Orlando Letelier, foi morto em setembro de 1976, vítima de uma bomba, em Washington (EUA).

Tendo esse intrincado contexto histórico como pano de fundo, Cony e Anna Lee misturamram fatos e ficção, Criaram um personagem central que é um repórter que tem como ideia fixa provar que os três líderes brasileiros foram vítimas de uma trama política da chamada "Operação Condor", como ficou conhecida a operação entre os serviços secretos da região.

Ágil, objetivo e direto, os autores construíram um thriller político. A obra é fruto de um minucioso trabalho de pesquisa, que consumiu mais de um ano. O resultado é um romance-reportagem que se lê de um só fôlego. Ao colocar o dedo nessa ferida histórica, procuraram descortinar o véu da verdade, ainda que tateando no escuro. A história agradece por esse trabalho de fôlego, argúcia e obstinação.

Ficha Técnica
Título: O Beijo da Morte
Autores: Carlos Heitor Cony e Anna Lee
Gênero: Romance-Reportagem
Editora: Objetiva
Páginas: 283
Ano: 2003

(Francisco Barros)

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